Prendem-se nos cabelos fios de espuma; e ficam, descolorando o fulgor das labutas antigas, agora em braçadas mais lentas.
Se estou cansada? Não me vês o cair dos braços? Mas ainda seguro a panela sobre as brasas e sopro. Prova! Prova que são boas!
Não me quero encostada à parede do fundo d’uma garagem à espera da morte. Nunca os viste? Basta que não possam mexer as pernas e zás, escondem-nos em buracos, fecham-nos a dizer que são lares aquelas caves húmidas. Antes a minha que é velha mas tenho lá nas gavetas a minha vida toda.
No início é um desejo quase lume que consome a precipitação tornando-a erro. Mas só depois a vista o descortina e o aponta; tarde demais e ainda bem. Se o futuro fosse uma tela transparente a emoção morria.
Tenho filhos mas eles têm a vida deles. Que mais dá? Não quero que me dêem ainda a sopa à boca, nem sei se dão, que a vida leva as pessoas para longe e a gente já não espera nada. Espera-se a morte, menina, espera-se a morte!
A meio caminho, quando as madrugadas acordam e chega a lucidez, intervalada pela cedência ponderada ou pelo ímpeto do desejo amadurecido, constroem-se as chegadas, calmamente. Compensação, às vezes; permuta consentida, diz depois a razão. Mas só depois.
Estou cansada, sim: aqui no ombro a dor ferra que nem cachorro bravo e formigam-me as mãos. O que me custa mais é não ter forças, senão começava tudo de novo... sei lá se fazia igual! A vida não escolhe a gente nem a gente a escolhe a ela e estes trapos pretos, já não sei bem por quem os visto... são muitos anos...
Tarde demais, diz a espuma nos fios dos cabelos encurtando o tempo e rindo-se do desejo. Compaixão e frio na placidez dos gestos, apesar do carvão aceso em dia de feira.
12 comments:
Boa Nanni,
Passo ao fim da tarde para te dar um beijinho e encontro-te de mesa arrumada. A pena o caderno eo tinteiro estão no lugar certo, irrepreensíveis. O tei TPC está feito e bem feito.
Roubo-te e levo comigo um pouco da tua emoção, saio de mansinho, calçado como no dia em que entrámos para a escola.
"(...) não é ofício do poeta narrar o que aconteceu;)
Um beijo grande, prolongado.
essa música do brel faz-me sempre chorar...
e as pessoas mais velhas onde se vê a criança frágil, igualmente...
a fragilidade, a ideia da morte e a mais profunda solidão, quando associadas à pobreza, fazem-me sentir completamente perdida e inútil...
no meu tempo de voluntariado, no entanto, percebi que muito podemos dar e receber com estas pessoas. muito!
beijo, elipse
beijo
Valorizada que fica a senhora de Freamunde!...
Grato pela deferência!
lindo e complexo tema!
"a vida leva as pessoas para longe e a gente já não espera nada"
infelizmente é o que acontece...
e, de facto, o melhor é ñ esperarmos nada.
já tinha saudades de te visitar :)
a vida ñ é fácil.
cada caso é um caso.
mas custa-me entender como se deixa um familiar... o qual fez tudo para ñ nos deixar, à partida!
custa muito vê-los a perder capacidades.
mas é a natureza.
a nossa natureza, ñ só deles!
é tão bom encontrá-los lúcidos e espertos.
por outro lado, e na maioria dos casos, talvez o melhor seja ñ ter consciência... de que se está só, de que o corpo já ñ obedece...
ñ sei.
:/
Les vieux!
A tua sensibilidade toca-me sempre muito.
Sabê-los em andares fechados, sem família, sem elevador, dependentes de quem os vai ajudar, quando vão.
"A vida não escolhe a gente nem a gente a escolhe a ela e estes trapos pretos, já não sei bem por quem os visto... são muitos anos..."
não consigo comentar, apenas...tão real!
Beijos
E, ainda por cima, com esse Brel que tem a dimensão do mundo!
Les vieux sont savantes... mais souffrent d'angoisse, car ils le savent!
as dores de uma vida e do desalento pelo abandono...quantas há por aí fora, mas que teimam em ser livres, antes isso que tolhidas...
que dizer! nota técnica e nota artística sempre em alta. és uma recordista de bons textos__ agora a música (é a primeira vez, não é?)
e os sentidos todos. sem anestesia.
sim mrf, é a primeira vez que ponho música. Confesso que nunca me tinha dado ao trabalho de ver como era... coisa simples, afinal!, e este texto, acompanhado pela fotogafia - que chamou por mim mal a vi noutro lado - tinha de ter esta música. (ah... e fiz tudo sozinha, uauhh!!!)
Erecteu... já me têm chamado nomes ternurentos... mas ... Nanni????
A todos os outros... falar sobre a velhice é uma coisa que não nos ocorre quando somos muito jovens e, por muito que o nosso lado de dentro diga que ainda o somos... o lado de fora trai-nos. E não falo das rugas, que isso até tem a sua graça!!!
Elipse, desculpa a troca de identidades, se puderes, os erros no coment também.
Beijinhos
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