Sunday, January 21, 2007

"sol de inverno"


Foto e título gentilmente cedidos por Tinta Permanente


Prendem-se nos cabelos fios de espuma; e ficam, descolorando o fulgor das labutas antigas, agora em braçadas mais lentas.

Se estou cansada? Não me vês o cair dos braços? Mas ainda seguro a panela sobre as brasas e sopro. Prova! Prova que são boas!
Não me quero encostada à parede do fundo d’uma garagem à espera da morte. Nunca os viste? Basta que não possam mexer as pernas e zás, escondem-nos em buracos, fecham-nos a dizer que são lares aquelas caves húmidas. Antes a minha que é velha mas tenho lá nas gavetas a minha vida toda.

No início é um desejo quase lume que consome a precipitação tornando-a erro. Mas só depois a vista o descortina e o aponta; tarde demais e ainda bem. Se o futuro fosse uma tela transparente a emoção morria.

Tenho filhos mas eles têm a vida deles. Que mais dá? Não quero que me dêem ainda a sopa à boca, nem sei se dão, que a vida leva as pessoas para longe e a gente já não espera nada. Espera-se a morte, menina, espera-se a morte!

A meio caminho, quando as madrugadas acordam e chega a lucidez, intervalada pela cedência ponderada ou pelo ímpeto do desejo amadurecido, constroem-se as chegadas, calmamente. Compensação, às vezes; permuta consentida, diz depois a razão. Mas só depois.

Estou cansada, sim: aqui no ombro a dor ferra que nem cachorro bravo e formigam-me as mãos. O que me custa mais é não ter forças, senão começava tudo de novo... sei lá se fazia igual! A vida não escolhe a gente nem a gente a escolhe a ela e estes trapos pretos, já não sei bem por quem os visto... são muitos anos...

Tarde demais, diz a espuma nos fios dos cabelos encurtando o tempo e rindo-se do desejo. Compaixão e frio na placidez dos gestos, apesar do carvão aceso em dia de feira.

12 comments:

Anonymous said...

Boa Nanni,
Passo ao fim da tarde para te dar um beijinho e encontro-te de mesa arrumada. A pena o caderno eo tinteiro estão no lugar certo, irrepreensíveis. O tei TPC está feito e bem feito.
Roubo-te e levo comigo um pouco da tua emoção, saio de mansinho, calçado como no dia em que entrámos para a escola.

"(...) não é ofício do poeta narrar o que aconteceu;)
Um beijo grande, prolongado.

~pi said...

essa música do brel faz-me sempre chorar...

e as pessoas mais velhas onde se vê a criança frágil, igualmente...

a fragilidade, a ideia da morte e a mais profunda solidão, quando associadas à pobreza, fazem-me sentir completamente perdida e inútil...

no meu tempo de voluntariado, no entanto, percebi que muito podemos dar e receber com estas pessoas. muito!

beijo, elipse


beijo

Anonymous said...

Valorizada que fica a senhora de Freamunde!...
Grato pela deferência!

Anonymous said...

lindo e complexo tema!


"a vida leva as pessoas para longe e a gente já não espera nada"

infelizmente é o que acontece...
e, de facto, o melhor é ñ esperarmos nada.


já tinha saudades de te visitar :)

a vida ñ é fácil.
cada caso é um caso.
mas custa-me entender como se deixa um familiar... o qual fez tudo para ñ nos deixar, à partida!

custa muito vê-los a perder capacidades.
mas é a natureza.
a nossa natureza, ñ só deles!

é tão bom encontrá-los lúcidos e espertos.
por outro lado, e na maioria dos casos, talvez o melhor seja ñ ter consciência... de que se está só, de que o corpo já ñ obedece...
ñ sei.
:/

Anonymous said...

Les vieux!
A tua sensibilidade toca-me sempre muito.
Sabê-los em andares fechados, sem família, sem elevador, dependentes de quem os vai ajudar, quando vão.

Fatyly said...

"A vida não escolhe a gente nem a gente a escolhe a ela e estes trapos pretos, já não sei bem por quem os visto... são muitos anos..."

não consigo comentar, apenas...tão real!

Beijos

peciscas said...

E, ainda por cima, com esse Brel que tem a dimensão do mundo!

mfc said...

Les vieux sont savantes... mais souffrent d'angoisse, car ils le savent!

ivamarle said...

as dores de uma vida e do desalento pelo abandono...quantas há por aí fora, mas que teimam em ser livres, antes isso que tolhidas...

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

que dizer! nota técnica e nota artística sempre em alta. és uma recordista de bons textos__ agora a música (é a primeira vez, não é?)

e os sentidos todos. sem anestesia.

Elipse said...

sim mrf, é a primeira vez que ponho música. Confesso que nunca me tinha dado ao trabalho de ver como era... coisa simples, afinal!, e este texto, acompanhado pela fotogafia - que chamou por mim mal a vi noutro lado - tinha de ter esta música. (ah... e fiz tudo sozinha, uauhh!!!)

Erecteu... já me têm chamado nomes ternurentos... mas ... Nanni????

A todos os outros... falar sobre a velhice é uma coisa que não nos ocorre quando somos muito jovens e, por muito que o nosso lado de dentro diga que ainda o somos... o lado de fora trai-nos. E não falo das rugas, que isso até tem a sua graça!!!

Anonymous said...

Elipse, desculpa a troca de identidades, se puderes, os erros no coment também.
Beijinhos