Saturday, July 28, 2007

Dias definhados

Chegaram mesmo agora os dias sem poesia
Chegou a acidez do osso frágil
A vista enrugada, encovada, enevoada;
Mais a lentidão dos passos curtos
Em sapatos rasos.

Chegaram quilos a mais, agora mesmo
Chegou a letargia do desejo
As mãos atrapalhadas, presas, ressequidas;
Mais a lentidão das ideias quebradiças
E mal articuladas.


Devia ser possível recusar o invólucro enrugado
Ou recuar sobre as pernas definhadas.

Wednesday, July 25, 2007

Cansamo-nos vezes de mais para ser cedo


O difícil é saber quando é cedo ou quando é tarde
Normalmente a estrutura já nos esmagou antes do acordar
Sabendo-se que o sono nunca é mais do que o refúgio.

Cansamo-nos vezes de mais para ser cedo
Mas a tarde apenas fecha o dia
Quando a manhã se perde num desejo que foi ontem

Tudo inútil como um trapo velho
E ainda assim conservado, não vá um dia fazer falta.
Tudo em falta, hoje, tendo o ontem ficado atrás do sonho

Nunca se sabe se foi cedo ou se foi tarde
E o pior de tudo é deixar-se em branco o espaço do ponto final
E vê-lo sempre passar para a outra página.



Tuesday, July 24, 2007

Brindemos à escola do futuro

(clicar na imagem)


Ainda não sei muito bem como é que vou trabalhar na sala de aula no próximo ano lectivo mas parece-me que vai haver uma grande revolução nos meus métodos de ensino e nos dos meus colegas professores.
Consta-me que vou ter um portátil na minha mesa.
Pagarei por ele 150 euros e depois, durante 36 ou 12 meses, terei um encargozito que vai depender do contrato de fidelização à TMN que eu “quiser” fazer. Nada de especial. Mas será o meu portátil, porque se o pago ele é meu.
Meu?
Mas o que farão 28 alunos dentro da sala enquanto eu faço as minhas pesquisas e selecciono imagens e explico como é que eles colocam os trabalhos feitos na plataforma interactiva?!
Bem, alguns deles – se estiverem matriculados no 10º ano e tiverem um rendimento familiar que ainda não percebi se tem de ser alto ou baixo – poderão ter também o seu portátil mas aí as coisas complicam-se, exactamente como quando se quer fazer um exercício ou trabalhar um texto e só quatro, em vinte e oito, é que trouxeram o livro o ou caderno de exercícios.
Quanto aos outros, será que farão uma invasão à minha mesa, com o respectivo alarido a acompanhar o trabalho? E que farei com o manual? Para que fim terão os pais deles gasto centenas de euros em manuais? E que farei quando passar pelas mesas deles e verificar que a maioria está “agarrada” ao “Messenger” ou à página do Hi5?
Ok, eu sei que todas as transições são assim, mas caramba, já ando em transições há tantos anos e os resultados a que tenho assistido não são lá de grande sucesso!
Bem sei que a formação na área das Tecnologias da Informação e Comunicação é a coisa mais importante do mundo e arredores neste momento; reconheço-lhes as vantagens.
Porém, o que falta para tudo isto fazer sentido é qualquer coisa que não sei explicar muito bem, mas deve ter a ver com um estrutura que não vejo, uma organização que não descortino, uma maneira de fazer as coisas sem que as empresas envolvidas corressem antes de tudo para o lucro pessoal, marimbando-se para os resultados que os meninos vierem a ter – quanto mais acríticos forem os futuros cidadãos melhor, desde que dominem as TIC – e para aquilo que os pedagogos agora chamam pomposamente as competências da aprendizagem, expressão que eu escrevi demasiadas vezes no ano lectivo que terminou, em documentos e formulários que enchem os dossiês nas prateleiras da minha escola.

Certamente terei mais umas grelhas para preencher com os dados relativos ao domínio das técnicas de pesquisa na net, à capacidade de seleccionar informação, à velocidade com que tecla, ao domínio do uso do corrector ortográfico… tudo isso e mais ainda, se houver tempo, umas coisitas relativas à formação de Portugal ou à bipolarização do mundo nos anos 50 ou mesmo à formação da União Europeia, já que é nisso que estamos metidos embora sem grande capacidade para fazermos face a todas as coisas da moda.


Sunday, July 15, 2007

No 52 já ninguém mora




A sugestão veio daqui.

A inspiração veio dali.


Quando por lá passo afasto os passos, como se me fosse ainda penoso espreitar os dias. Piores as noites, não as primeiras porque dessas ficaram raios de sol e búzios a murmurar segredos ao ouvido. Segredos bons, segredos do prazer aprendido a dois, rendição ao amor descoberto nos gestos novos, nos arrepios da pele sob os lábios inflamados, no gemer contido ainda pela estranheza do sentir.
Quando por lá passo preferia não passar. Não fosse este apelo dos passos a conduzir-me direita ao lugar de todas as coisas e eu fugia, escapava-me por entre a maré de memórias misturadas em azul e negro, os olhos baços perante as luzes intermitentes e ele a pedir-me perdão; e a ter de ir, de mãos presas e olhar assustado.
Nada fazia sentido. Nada faz ainda sentido a não ser a impossibilidade da casa ser lar.
Agora passo ao largo como se espreitasse não os búzios mas as pedras, as dores do frio das pedras a entranhar-se na memória. Passo de passos largos, a fugir de um aroma que se fez passado, a lembrar o dia em que o levaram dos meus braços; e as lágrimas em silêncio num pedido de desculpa surdo e côncavo.
No 52 já ninguém mora. Lá dentro, aprisionado pela tranca, ficou o amor. Não sei se resistirá ao mofo e ao silêncio.

Wednesday, July 11, 2007

Variações sobre águas espelhadas


Cada olhar tem uma dimensão própria, diversa, distinta; e nem sempre é o mesmo, o percurso que vai do olhar ao ver.

Mal seria se todos olhássemos as coisas pelo mesmo ângulo; certamente um sinal estático de estarmos aqui pelo facto de nos terem posto neste lugar colectivo.

O meu lugar é um lugar comum: o lugar dos olhos; lugar de coisas visíveis e de outras que são reflexos; ou reflexões; ou representações.

Mas nem sempre os reflexos do lado de dentro passam pelo semear das letras e nem sempre a sementeira faz germinar aquilo que não chegou a ser lançado à terra.

Tudo está, pois, no lançar dos olhos, havendo os que vêem melhor pelo lado de dentro; e os que não vendo, escutam os ecos; e ainda os que ficam a olhar as águas.

Às vezes o olhar dilui-se, espelhando a espera.

Tuesday, July 10, 2007

águas que são espelhos


Fiquei assim a olhar o cair da água, ao ritmo dela,
regato cadenciado na transparência dos modos
e eu ali infiltrando-me no direito de estar por conta e risco;


Risco os dias e não sei de outras fontes,
de outras águas, de outros espelhos…


Sunday, July 01, 2007

(des)agasalho

Fotografia de Aguarelas de Turner

Vesti um agasalho quando os dias eram frios.
Não, não mo deram a vestir; era meu da raiz ao topo porque o fiz nascer de dentro da terra e nele me envolvi, preparando-me para ver passar as estações.
Agasalhada, ergui-me robusta, na vertical; depois lancei braços e disse ao céu que o azul era pouco. Lá onde chegavam ao fim as minhas folhas era como se um sorriso se soltasse de cada dedo; e cada dedo agarrasse o infinito.
Entretanto o chão floriu à minha volta e era ao verde que me rendia todas as manhãs, depois do canto das aves ter cessado na placidez de cada entardecer.

E assim foi passando o tempo; digo-o agora, à distância; antes não o disse ou não dei por ele, de tão aconchegada na justeza da roupa; agora tenho frio.

Que sucedeu à capa com que me cobri?
Que frio é este, tão súbito, tão devasso, tão intenso?

São farrapos, estes restos de roupa velha.
Mas é estranho que tudo esteja ainda verde e eu gelada.

Dizem que por baixo há pele nova e que eu serei outra vez senhora do meu corpo.

Tenho frio.