Friday, January 26, 2007

mulheres vs mulheres

Maria Amália Vaz de Carvalho, conhecida como educadora e autora de uma vasta obra onde aborda problemas da educação das crianças, constitui um exemplo da intelectualidade feminina do final do século XIX, princípio do século XX.
Quis, no entanto, cuidar também da educação das mulheres, a quem não reconhecia a legitimidade do direito ao voto. A mulher, dizia, deveria estar bem preparada intelectualmente a fim de se encontrar mais próxima do marido. Dizia-se, na época, que estas eram ideias feministas.
Atacava o divórcio “essa solução violenta ao problema do casamento – solução antipática às raças latinas”, defendendo a ideia de que a mulher se deve manter no estrito espaço do lar e de que a vida mundana é incompatível com o culto doméstico. Era uma católica fervorosa para quem o ensino tinha de ter também a vertente religiosa.

(informação colhida em Cecília Barreira, História das Nossas Avós)


Também conheço algumas assim, nos dias de hoje.
Defensoras da autonomia da mulher, praticantes de uma vida de luta férrea pela sobrevivência, instruídas, esclarecidas e ... obrigadas a fazer um aborto (ou um desmancho?) em alturas em que a vida não permitiu outra solução. Poucas terão sido as que nunca tiveram de passar pela dor.
Contudo, usando o argumento da defesa do direito à vida, vão votar não ao direito que uma mulher tem de interromper a gravidez até às 10 semanas nos casos expressos e conhecidos por todos os que quiserem informar-se devidamente sobre o que está em causa no referendo.
Eu, que também defendo o direito à vida, voto sim, a lembrar aquela a quem acompanhei à "abortadeira" e depois ao hospital, onde teve de submeter-se a uma cirurgia para lhe serem removidos os restos do embrião que ficaram a provocar uma hemorragia que quase lhe ceifou a vida. A mesma mulher que hoje, passados muitos anos, se ligou à igreja, onde passa os dias e as noites em tarefas de caridade (não lhe posso levar a mal por isso, cada um é livre de agir em conformidade com aquilo em que acredita) e defende o não com os dentes cerrados de raiva e uma expressão de quem era capaz de queimar na fogueira todas as votantes do sim.

Complicada, a mente feminina!


19 comments:

Anonymous said...

Quase todas as mulheres mais velhas que abortaram votam no Não.
Todas pensaram que estavam a cometer um pecado enorme e que mereciam castigo. Por isso a tua Mãe se ter voltado para a Igreja. Deve ter pensado que não tinha sido castigada, pelo menos, suficientemente. O que sofreram!
Além disso pensam que as gerações mais novas, são "gerações perdidas", por isso quererem defender os bons costumes. Se lhes perguntarem, dizem que o caso delas foi diferente, porque estavam desesperadas.

~pi said...

acredito que as mulheres foram...as maiores castradoras das outras mulheres. estamos a melhorar devagar...

(na "sonata de outono" de ingmar bergman... o espectáculo do amor e do ódio feminino ao rubro.
as contradições das mulheres, mãe e filha, até ao sangue. com liv ullman e ingrid bergman.)

peciscas said...

Por todos os motivos e por mais aqueles que explicitei na "história real" que divulguei junto das minhas peciscas, também sou pelo SIM à despenalização.
Mas, como tu, conheço gente que até recorreu a esse acto, e agora aparece "do outro lado da ponte".
A coerência, às vezes, é um exercício bem difícil e misterioso...

Manuel said...

Sim, as mulheres são complicadas...

Ainda mais para quem está do outro lado, como eu. Mas nem todas...

A Rititi descomplica bastante o tema neste seu brilhante texto sobre a questão:

http://www.rititi.com/2007/01/momento-no-tengo-el-coo-pa-ruidos.html

mfc said...

É a forma dessas pessoas "expiarem" em vida o "pecado" então cometido!
É uma forma de sublimação.
Não aceito, mas compreendo.

Anonymous said...

Eu também defendo o direito à vida, mais ainda defendo o direito à vida com qualidade! Como tal junto-me a ti e voto SIM.

Claudia Sousa Dias said...

Olá Elipse!

Eu pergunto de que serve votar não, se pegando no exemplo do teu texto, numa altura em que o aborto era proibidíssimo, a pessoa não hesitou em fazê-lo na mesma?

A postura actual da pessoa em questão deve-se provavelmente à irreversibilidade de um acto que ela não cometeria nas actuais circunstâncias.

Só que como afirma Heraclito "nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio..."

Não basta já a dor da consciência dessa irreversibilidade, haverá necessidade ainda de as mulheres sofrerem a pena de prisão, para além de todas as outras penas?


CSD

Anonymous said...

Porque é que terei ficado anónima? O primeiro comentário é meu.
Beijinhos

Elipse said...

eu sei, marta. quando comentaste estava lá a tua identificação. uns minutos depois eu passei este blog para a versão beta e isto aconteceu. acho que depois volta à normalidade...
:)

Fatyly said...

Também conheço homens, tão santinhos, que pagaram o aborto para fugirem ao caldinho e hoje votam não.
Reconheço que algumas mulheres são complicadas, mas passar para o lado de lá, ou seja do não...não compreendo.
Votarei sim, como votei anteriormente com a experança que acabam este "pular a cerca"!
Beijos

Elipse said...

tenho alguma relutância em prosseguir um debate de surdos, dado que a questão, neste momento, está a ser usada das mais diversas maneiras, afastando-se daquilo que é mais importante - a questão da liberdade individual.
E depois há coisas, dentro do rigor da lei ou da sua interpretação (pode ser necessária mas muitas vezes é incompreensível a malha normativa que nos regulamenta a vida)que me são difíceis de entender porque quando chamadas à conversa, mostram outros lados... como o caso do conteúdo do discurso de Jorge Miranda, a propósito do conceito de despenalizar ou liberalizar, etc etc etc..., tendo em conta a frase que vai aparecer no boletim onde vamos marcar a cruz...
... vem aí mais lenha!
E depois, um documentário que vai passar hoje na SIC a propósito da formação de gémeos, com imagens da gestação e da maneira como a vida se vai constituindo dentro do útero materno.

MANIPULAM-NOS... a toda a hora... e a gente deixa-se ir... como um rebanho de carneiros mansos!!!

Não estou a dizer que o debate de surdos é aqui, não, não é isso... são benvindas todas as opiniões e todos os argumentos.

Só me lembrei de escrever este texto porque nas minhas leituras encontrei referências a esta senhora - Maria Amália Vaz de Carvalho - e depois, ao aprofundar aquilo que a caracteriza, subitamente fez-se luz. Com o devido distanciamento no tempo (contextualizar é o primeiro passo), o que li remeteu-me de imediato para o exemplo que registei. Foi só por isso.

Anonymous said...

Se eu pudesse votar (que não é o caso), votaria no Sim!
Na minha opinião... ao votar no sim estamos a dar uma hipótese de escolha e de oportunidade às mulheres. Ao votar no não estamos a condenar as mulheres e até as próprias crianças...
Pois a minha avó materna, contou-me que à muitos anos atrás, foi obrigada a abortar (porque quis)! Ao início chocou-me, porque não estava à espera daquela confissão, mas depois compreendi e fui da opinião que ela fez o mais correcto. Hoje em dia, a minha avó (apesar da sua idade), é uma forte defensora do Sim!

Bj

Elipse said...

é quase sempre assim, vanessa... as vivências dos outros tocam-nos e marcam as nossas opções. Era bom que fosse a racionalidade a prevalercer sempre... se nós conseguíssemos ser sempre racionais!

asdrubal tudo bem said...

que ela tenha mudado de ideias não me aflige o que me faz confusão é entrar no fundamentalismo. O que me faz confusão é nem um lado nem outro aceitar que as pessoas são livres de terem a sua opinião e de quererem a toda a força impor as suas próprias verdades.

José Manuel Dias said...

Nada complicado. A grandeza da nossa civilização está no direito a cada um poder expressar-se de forma livre, sem constrangimentos. Os do SIM - nos quais me incluo - são contra a realização do aborto (seja ele legal ou clandestino). Quem-no, no entanto, despenalizado, para, como referiu Bill Clinton, na América conservadora, ser mais raro e mais seguro.
É esta a diferença. Não fingir que o que é clandestino não existe. È atacar o problema pela raíz, comoa Holanda o fez, onde em percentagem, existem menos abortos, que na Irlanda onde é proibido.
Cumps

Claudia Sousa Dias said...

Pesoal no blog www.deviamosacordarsemprejuntos.blogspot.com há um post muitp interessante sobre este tema. Sobretudo pelo comentário do blogger 29' no Egipto, que mostra um bocadinho do outro lado da moeda que é precisamente as dificuldades de implantação/democratização das medidas que permitam executar o aborto em segurança!

Se puderem, não deixem de dar uma espreitadela!

Beijos

Erecteu said...

A campanha feita pelo sim não tem sido particiularmente eficaz, ao contrario da do não, que se mostra muito bem organizada.

O que o não tem afirmado, reforça a minha posição:
Votarei SIM, contra um não:
. indecente de tão demagógico;
. hipócrita com as mulheres que se vêm confrontadas com uma decisão difícil;
. sem escrupulos em lançar mão de chantagem emocional.

Mónica said...

a vida tem destas contradições..ou serão as mulheres que as fazem???

as marias amálias são o terceiro sexo

Mónica said...

curiosidade: há aqui uma familia de músicos muito famosa os vaz de carvalho, serão descendentes??