Tuesday, May 12, 2009

À espera...



Sentados em cadeiras de fundos gastos, em salas pouco arejadas onde os encostam às paredes para que aguardem, calados, a chegada do fim, os velhos fecham os olhos e viajam no tempo. É um movimento ao contrário; em meninos projectavam-se nos dias que estavam para vir, agora não há dias para além do dia; já não lhes importa que alguém venha, depois de terem lutado em vão para que alguém os levasse. Agora ouvem, em registo longínquo, as músicas encantadas dos dias antigos ou sentem discretamente os beijos, de tão distantes. Agora recuam à infância e esquecem o que se passou ontem. Agora, destapam apenas as extremidades de uma pele que se gastou no fazer das coisas e que se amaciou nos afagos. E a mão forte, longa de agarrar, não é mais do que a mão velha que aguarda, de olhos fechados, o passar do tempo.


8 comments:

peciscas said...

Este tão belo quão melancólico texto, é bem o espelho da crescente solidão com que se vai atingindo a velhice, nesta sociedade de desafectos.
É mesmo isto que se passa nos lares, nos asilos ou nos hospitais.
E é triste. Muito triste...

addiragram said...

Belo e sentido texto! Faço minhas as palavras do amigo António!

Morgaine said...

Primeiro que nada... adorei o texto...
No entanto... é verdade e é mentira...
Talvez seja dos meus olhos... mas apesar da óbvia melancolia da velhice... os olhos deles, mais do que a morte ou o passar do tempo, esperam um olhar doce uma palavra amiga, e dão-lhe tanto valor que nos recordam a importância dos pormenores...
É tão facil fazer um velhote feliz... e tão... especial

Deixa-m então mudar a frase que disse no início... é tudo verdade... mas é tão fácil mudar esta realidade... basta que alguém quisesse.

Beijo

CNS said...

É sem dúvida um movimento ao contrario que lhes corre naquele corpo engelhado pelo tempo.
Gostei muito, Elipse!

Claudia Sousa Dias said...

dolorosamente real de tão belo.


csd

mfc said...

E não passamos nós toda a vida a aguardar?!
A aguardar ,,,, nunca soubemos bem o quê, mas a aguardar!

Fatyly said...

Tocante...muito tocante mas chegados à velhice muitos ficam "à espera" do que nunca souberam dar e semear.

Complicado...

Fabulosa said...

o tempo que passa e não passa é o pior. porque é nesse tempo, nesse espaço, que muitas vezes não se faz mais do que esperar. a morte. e é por isso que as viagens ao passado ainda são um entretém, uma distracção daquilo que há-de vir. isto quando se está só. porque quem tem quem, passa os dias um pouquinho melhor. =(