Tuesday, September 30, 2008

Ficcionar 10. (chegando ao fim)

foto de Elipse

Agora escreve.
Já te dei as referências, já te transmiti as partes da história que ela achou por bem contar-me. Tudo o resto cabe agora na arte de ficcionar e essa não conhece limites. Tu, que não a viveste nem a ouviste da sua boca, nem lhe viste o brilho dos olhos ao contar, és livre para lhe acrescentar todas as palavras.
O leitor nunca te pedirá explicações; deixar-lhe-ás o espaço necessário à sua própria construção. Porque há diferença entre o que se antecipa e o que depois se vive; entre o que se vive e o que se relata; entre o que se relata e o que depois de escreve.
Toda a verdade tem inúmeras facetas e, mesmo ficcionando, ela não perde o seu estatuto. Pelo menos para o leitor, que vê nas palavras o relato dos seus desejos menos confessáveis.
O leitor não relata, absorve. E encena a história, envolvendo-se nela. Por isso ouve os motores do avião, recolhe a bagagem à chegada, toma o pequeno almoço sentado de frente para a piscina do hotel, fuma cigarros nas esplanadas da grande avenida, descobre-se debaixo de um céu que é o mesmo mas outro e ouve a música curva mais uma vez, e outra e outra, até desejar que não haja mais mundo senão aquele que começa e acaba ali. Comprova a importância do desejo, este leitor atento que entra pelas palavras do texto e escreve a sequência narrativa. Quando escreveres não o deixes desviar desse prazer.
Ele perguntará, no fim, qual foi o fim?
Não lho dirás.
Deixa só escrito que ela cumpriu todos os seus desejos. E que não chorou na despedida. E que partiu sorrindo, regressando mais inteira ao chão real da vida.


6 comments:

addiragram said...

Ela partiu para se re-descobrir, recuperando faces que, julgava, perdidas.

Fatyly said...

Porque há diferença entre o que se antecipa e o que depois se vive; entre o que se vive e o que se relata; entre o que se relata e o que depois de escreve.
.............

parabéns uma vez mais!

Bom fim de semana

mfc said...

A vida é memória e sonho. A escrita toma parte duma e doutra de forma selectiva... e quem a lê, lê a história que quer ler.
Por isso há sempre um risco na escrita.
Mas deve ser isso que a torna tão atractiva!

Mónica said...

chegou viu e venceu :D

Claudia Sousa Dias said...

Adorei o final!

beijos


csd

Claudia Sousa Dias said...

aodoro a cor dessa florzinha que não sei como se chama.

mas existe uma pedra na Tanzânia que tem,mais ou menos essa tonalidade apesar de variar entre o roxo-púrpura azulado e um tom axul safira, intennso escuríssimo como o mar egeu ou então a costa que lambe a baía de Nápoles com cintilações cor-de-vinho...

beijos


CSd