Tuesday, August 26, 2008

Metamorfose


Disse que não às ladaínhas e saíu para a rua sem óculos de sol. Memórias de estios com finais dramáticos enfastiavam e lá fora o dia estava luminoso. Reparou nas borboletas brancas sobre a relva, sinal de que estava atenta, e penteou a franja com os dedos. Soletrou a palavra automaticamente. Meta… além de… depois de…
A torrente das palavras nunca dava tréguas mas salvara-se a capacidade selectiva.
Deu por si a reflectir sobre os modos de apreensão do tempo, não tanto na sua dimensão humana mas em todas as outras.
Estavam fora do alcance do entendimento imediato as estrelas com que se distraíra na noite. Era a memória de outras, as mesmas, mas debaixo de outro céu: universo. Deuses vazios de sentido em toda a extensão do espaço humano; permanência das pedras, dos mares, das árvores; permanência das memórias encaixadas nos sentimentos, mas só nas almas, que a memória das pedras está no ser e o que fica não é mais do que o pó deixado pelo passar do tempo; nos mares, o movimento das marés activa a vida mas a única fala possível é que se ouve à beira-mar quando as ondas nos dizem que-não-que-não-que-agora-não.
E era também a propósito da literatura, por causa das estantes ocas nas livrarias. Nem réplicas. Apenas histórias de gente urbana, com muita cama e pouco sentido. Sem heróis que possibilitem a poesia mesmo no calor estival com finais dramáticos.
Reparou também que as abelhas andavam laboriosas. Deviam ter andado sempre na sua luta floral, mas havia dias em que até o zumbido das asas incomodava. Sinal de que o Verão está vivo, pensou. Verão azul, leve, limpo. Luz.
Do lado de cá dos dramas, a paz.

7 comments:

mfc said...

O Verão sempre traz uma certa paz.

Claudia Sousa Dias said...

um beijo para ti, minha querida.
despeço-me por hoje...com uma enorme vontade de mergulhar na frescura das tuas memórias...


CSd

-pirata-vermelho- said...

Resenho, do que dizes, com pertinácia e pertinência: "Disse que não às ladaínhas e saíu para a rua sem óculos de sol. Deu por si a reflectir sobre os modos de apreensão do tempo, permanência das memórias encaixadas nos sentimentos; histórias de gente urbana, com muita cama e pouco sentido."

Fatyly said...

Nunca deveríamos deixar fugir o verão de dentro de nós.

addiragram said...

Sente-se a leveza ou o desejo dela.Uma escrita que desenha o vento da mudança.

Boop said...

Depois de te ler apeteceu-me simplesmente deixar-te um beijo!

Claudia Sousa Dias said...

aqui o verão veste-se de cores de Inverno...

CSD