Tuesday, April 18, 2006

À volta das dores

Podia até dizer-te que tenho pena e que me doem as tuas dores. Mas também tenho em mil pontos de vista dispersa a verdade das coisas, sem saber em certos dias se a verdade é o que vejo ou se não é isso mais do que a criação de um querer que não diviso dentro da consciência, por omisso ou camuflado.

Podia até dizer-te que penso em ti. E penso. Mas se o faço é por piedade, sendo já este o sentimento inócuo de te ver à distância, sentado na cadeira onde buscas o conforto impossível embora continues a fazer o planeamento da vida que para ti nunca parou, nem agora que estás parado.

Podia até dizer-te que sei o que sentes. Mas não sei disso por solidariedade ou por analogia; sei-o porque as senti ferradas, essas dores que silenciei a maior parte das vezes ou que gemi calada enquanto as lágrimas corriam para dentro e ilusoriamente as suavizavam.

E assim andamos à volta das dores. Tu porque as sentes. E eu sentida.

14 comments:

mfc said...

Lucidamente sentidas.

Anonymous said...

subscrevo mfc

Mónica said...

rancorosa?
:-)

wind said...

Espectacular! beijos

peciscas said...

Sentida!
Evidentemente, sentida.
E deve ter sido forte o que provocou esse sentimento!

ivamarle said...

mais um magnífico texto para a minha compilação; obrigada! não sei porquê fez-me recordar este excerto de um poema (eu sou uma chata, desculpa mas tenho de o colocar):"À tua volta existe um vento antigo
Sempre pronto a lembrar pelo teu corpo
A proa dos barcos e a densa
alegria das viagens...

dentro de ti sei apenas que amas
muitas coisas belas, algumas
coisas justas e difíceis,
e como por dentro dos teus olhos temes
as pequenas ciladas da alma
e a oblíqua vertigem de estar só
nos dias vazios;

e embora não mo digas vê-se bem
a agitação com que procuras
saber do teu nome entre os espelhos
dos outros: na coragem, no saber,
na ternura ou até na companhia
mais ou menos inútil embora
desejada ( e em cartas, silêncios, ciúmes)
de quantos te cercam, de quantos devolvem
os ecos doirados da tua passagem.

E assim vais colhendo
O que há de igual (ou quase) entre
Perder e ganhar – se a derrota
E a vitória forem igualmente
Livres de angústia.(...)"

Elipse said...

Não és chata, Iva. O poema tem a ver com a minha escrita, percebo porque o chamaste aqui. E adivinho-lhe o autor, porque sei das tuas preferências.

Chata é a Elipse, em dias de lamúria. Vou ver se lhe mudo o registo.

9:08 PM

SoNosCredita said...

fiquei sem palavras!

K. said...

Pois grita as tuas dores ao mundo, chora as tuas lágrimas para que alguém as veja e suavemente, com a ponta de um dedo, as seque. Aprendemos mais do que pensamos com as nossas dores, e com as dos outros. Beijo.

Anonymous said...
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Anonymous said...

O início do teu texto fez-me lembrar um que li há uns tempos, por isso procurei-o e aqui deixo o link para que possam ler.

http://gondoriz.blogspot.com/2006/03/7.html

Como sempre, é um prazer ler, e acima de tudo sentir, as tuas palavras.

Carlos Azevedo said...

É a sentida das palavras

Elipse said...

Bem observado, Carlos. :))

Graca Neves - mgbon said...

um texto de palavras doridas que senti, aqui!...