Wednesday, March 22, 2006

Religião e culpa

Nas viagens marítimas, a partir de 1568 estipulou-se, para mareantes e passageiros, a obrigatoriedade da confissão e comunhão prévias, de modo a que, quando embarcassem, se encontrassem em estado de graça. Esta exigência tinha como fundamento a crença de que os pecados eram a causa mais frequente da perdição das naus.
Do cumprimento dessa obrigatoriedade deviam os párocos das freguesias passar certidão, que seria apresentada às autoridades no momento do embarque.
Acontecia, em algumas viagens, alguém ter um sonho premonitório. Dizia tratar-se de um aviso de Deus e procurava-se o sacramento da penitência como salvação.
Realizavam-se, ao longo da viagem, novenas e trezenas em devoção a Santo António, S. Francisco de Xavier, Santa Helena, S. Joaquim, Santa Ana, Senhora das Brotas, Anjo da Guarda ou outro. Os ofícios religiosos eram realizados com todo o rigor do ritual católico, incluindo sermão, vigílias, procissão com flagelantes, penitências e confissões.
Em momentos de desespero, perante o naufrágio, todos se colocavam sob a protecção da virgem e prometiam nunca mais voltar a pecar. E quando nada mais restava que a perspectiva do fim, podia morrer-se de braços abertos para o retábulo de Maria, fixado no mastro grande, porque morrer é o destino do Homem.

7 comments:

antónio paiva said...

.....uma certeza histórica....

Beijinho e bom dia

Anonymous said...

o misticismo de outras épocas. Mas havia de facto união religiosa numa cega obediência em volta do sentimento de "culpa"! Um horror!

E se fosse hoje? hummm imperaria a vontade de meia dúzia de clubes dos tais que gosto tanto:( que se enchem à custa de lorpas!(desculpa o desabafo)

Gostei muito!

Fábula said...

pois, isso explica mta coisa...

ivamarle said...

cada um morrerá frente ao seu retábulo, que começou a construir desde o nascimento : a própria morte...

mfc said...

À sombra do misticismo cometeram-se as maiores barbaridades e fizeram-se grandes negociatas... e continuam a fazer-se!

Mac Adame said...

Perante o naufrágio iminente, todos prometiam não voltar a pecar e a verdade é que quase todos cumpriam (porque morriam). Claro que se houvesse sobreviventes, eles depressa se esqueceriam da promessa. Há coisas que não mudam. O que mudou ao ler este texto foi a minha cultura geral: já tinha ouvido falar muito em novenas mas não sabia que existiam trezenas (pelo nome, suponho que seja a mesma coisa, mas com treze pessoas).

Elipse said...

assim rezam as crónicas, mac