Wednesday, January 04, 2006

A criação

Volto às histórias planas. De vez em quando tiro-as do bolso onde a mão envergonhada as tinha espalmado, limpo-lhes o pó da espera e acrescento-lhes palavras. O segredo são sempre as palavras, que levedam no interior das mãos e depois passam em voo para o coração das coisas. Ou é ao contrário?
Mas dizia que volto sempre às histórias de passados. Não confio em magias e as escritas do momento são coisas a correr sem que o sabor se fixe, embora possam conter o essencial sendo ele matéria de alívio.
Histórias planas dobram-se por terem a dimensão de coisa mal começada. Há que eliminar os adjectivos que as desqualificam e criar estranhamentos que prendam olhos mais distraídos. Coisa de labor. E se o adjectivo ganhar gumes sem se mostrar aos olhos diremos que o contrato foi celebrado suspendendo-se a descrença. Depois é colorir as personagens de verosimilhança e tornar reais os subterfúgios. Mesmo com subversões.
Se voltar sempre às histórias planas e as encher de palavras como se fossem coisas plásticas criarei fingimentos sérios e neles serei lida como se fosse eu.
Não há, pois, real nas palavras que levedaram e enformaram os planos rasos. Porém, há que dizer as coisas como as sabemos

2 comments:

mfc said...

Vivemos o presente à luz de memórias envenenadas. Afastem-se essas memórias e o veneno... que é sempre tentador!

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

mas aqui, neste espaço virtual, dou lugar à palavra imediata, às que descem quase sem dar por isso para as pontas dos dedos. vão buscar estilo e conteúdos com idade para já terem sido rebuscados umas quantas vezes, mas arrisca-se sempre. arrisca-se a imediata imperfeição.