Monday, January 02, 2006

Cai a noite sobre as águas do rio (da minha aldeia)





Olhos postos na terra, tu virás
No ritmo da própria primavera,
E como as flores e os animais
Abrirás nas mãos de quem te espera.
Eugénio de Andrade



Olhos postos num céu pintado de laranja à beira-mar; anúncio de sol em outro amanhecer e eu ainda sem a luz das palavras-dias.
Agora é Inverno, eu sei, e o frio corta as faces de quem contempla os céus e morre de tanto olhar para o lado de lá das nuvens.
A terra está ainda fria e os troncos cheiram a musgo. Os ventos deixaram desarrumadas as folhas secas ao longo das ruas e há janelas com vidros partidos, atrás, rente à muralha.
Olhos postos na terra à beira-mar. E uma ave sobre os pensamentos. Como as flores, abrindo as pétalas ao sol do dia seguinte, enquanto a noite chega.
Agora ainda é Inverno; é por isso que protejo as mãos, arredondadas dentro dos bolsos.

Bem sei que é exactamente o Tejo o rio que corre pela minha aldeia. É por isso que não consigo estar ao pé dele pensando apenas nas flores que se abrem como mãos. Ou nas mãos.
Ao pé do rio, com os olhos postos no céu e as mãos guardadas, não consigo estar sem pensar em nada.

7 comments:

mfc said...

Cai a noite e o rio prossegue... sabe o seu destino! Contemplamo-lo para ver se adivinhamos o nosso.

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

Lindo, rapariga, és um espanto. até o Eugénio, que tinha tão mau amor e que não gostava que divagassem sobre as suas palavras (aliás só ele podia lê-las em voz alta), era capaz de gostar :)

Chegada, fresquinha da silva (ié., gelada, que deixei o aquecimento desligado :)), desejo-te novamente um Muito Bom Ano!

joaninha said...

Também contemplo o Tejo da minha janela...que sonhos leva em cima dos tufos de lirios de água, quando corre à procura do mar?!... ai se eu pudera ir com ele... Está frio, mas está sol e este brilho é o raio de esperança que abençoa, para um BOM DIA!

Rosario Andrade said...

Querida Palavras,
Pura poesia liquida... o Tejo é especial, nao é?

Abracicos!

J25 said...

tb é o tejo que passa pela aldeia onde fica o meu emprego... na aldeia onde moro passa o Trancão... que não dá para grandes contemplações...

addiragram said...

O rio ,sempre o rio, metáfora da mudança, do desconhecido, do tempo, da espera,da antecipação... As palavras que ainda não nasceram, aguardam, levedando, no interior das tuas mãos.

Toze said...

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde vai
E donde ele vem.

E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Nunca ninguém pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

E que tal Palavras em Linha pegar neste "rio" que é um dos que eu mais gosto , e divagar sobre o mesmo, hein ?

Beijos:)