Wednesday, December 14, 2005

Novelo marinho

No Voz em Fuga voltou a haver desafio.


Parti do Novelo Triste e compus o Novelo Marinho, correspondendo ao mote da Hipátia.

(desenho de Gaivina)

Tinha-te dito que há dias em que precisamos de ver a nossa tristeza inundar os céus, afrontar os deuses, fazer-se matéria inteira, grosseira, gume afiado sobre uma pele desbotada.

Digo-te agora que desci dos céus aos mares, onde sou barco sem velas, parada, contrariada, incapaz de bolinar para alcançar o que está longe. Mesmo com vento. Astrolábio da desdita o meu que nada ensina. Nem me fascina.

Tinha-te dito que me deixasses sentir que estou só comigo.

Digo-te agora que sou mulher e espero sempre que outros ouvidos ouçam inversos daquilo que a boca diz. Caravela de esperança dentro de um coração apertado. Assumo.

Tinha-te dito que queria apenas ser coisa pura, talvez novelo.

Digo-te agora que só me vejo neste enrolar de mim para mim e que me afronta ser corpo em chamas sem que me toques. Por isso eu canto ainda. Calada. Por isso me detenho nesta almofada feita de fundos de mar. Depois deito-me numa cama gelada a ouvir o eco da ausência que me traz perdida, velha desdita de ser, sem ter contrapartida.




15 comments:

Carlos Azevedo said...

o texto é bonito, está bem escrito e revela uma mater blogger, sem dúvida

Toze said...

Como são melodiosos os teus Novelos !

Fui lá ao fundo buscar o Novelo Triste, e continuei no Novelo Marinho, agora me detenho...aqui !

Beijo:)

Carlos Azevedo said...

o escrito é bonito, está bem texto e revela uma mater dúvida, sem blogger

mfc said...

Um blog de excepção. Palavras pesadas, medidas, certas que revelam um sentir muito lindo e simultaneamente sofrido.
Consegues emocionar as pessoas, sabias?

jp(JoanaPestana) said...

já te disse há pouco o que achava das tuas escritas.
Agora em público digo-te que me enternecem.
bjo

armando s. sousa said...

Não sabia que se chamava prosa, a um texto tão belo. Para as minhas palavras é poesia, para os meus ouvidos, é uma sinfonia.
Como conheça a senhora que escreve tão belas palavras nada me admira.
Que posso dizer, depois de ler um texto tão belo...
NADA.
Um abraço.
PS. não o partido, enviei-te um e-mail, amanhã quero apreciar os ditos textos Com calma, não meti o ponto final, para imitar o Saramago.

Miguel Horta said...

coisa linda....muito mesmo.
Estava longe do Mar quando desenhei esta mulher, mas o Oceano estava sempre presente....
Prometi à Hipatia publicar no Blog dela a verdadeira historia destes desenhos....
Passa por lá , depois...

Anonymous said...

É uma delícia passar por aqui e respirar as tuas palavras impregnadas de maresia! Um abraço!

Hipatia said...

Há uma solidão que transparece das tuas palavras que me acossa. Talvez por estar a ler nelas as minhas linhas, ou essa cama gelada, ou os silêncios que nos gritam aos ouvidos, quando não há palavras em linha que se projectem para além dos fins, como fios de Ariadne a indicar-nos novos caminhos.

Obrigada!

addiragram said...

Só arriscando ir ao fundo, a razar a ferida,podem borbulhar palavras que digam o que lá encontraram.

addiragram said...

Algures para a Foz do Arelho, mas no seu reverso. Um beijo para ti.

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

deste bem a volta às voltas desta mulher que se expõe para o Gaivina. eu ainda não. a ver s'esta semana sai algo. esta semana saiu-te mais que algo, "muito". e agora lembrei-me do ambrósio, valha-me deus!

Politikus said...

Sim senhor, aqui está o verdadeiro sentido das palavras...

Perola Granito said...

Boas Festas

peciscas said...

Esta senhora é eclética.
Capaz de usar o humor e a sátira como forma de expressão muito séria, mas também o texto poético, carregado de imagens e denso de sentidos,
E, como se vê, não é preciso escrever muitas palavras para se escrever bem.