Thursday, October 27, 2005

Construções Narrativas

Histórias planas dobram-se e metem-se no bolso onde a mão envergonhada as espalma até deixarem de ter a dimensão de coisa mal começada. Reduzidas a pó ainda incomodam, contudo.
Não era, pois, de estabilidade que queria falar. Nem creio que quisesse falar de alguma coisa concreta. O caso era esse. Faltava-me adequar a personagem ao seu perfil, não tinha ainda definido as cores nem as linhas do vestido mas sabia que teria de ser amplo como convinha a personagens redondas; isso sim, que as queria anafadas de adjectivos omissos. Por isso nesse dia não tinha bolsos.

Disseram também que eram precisos antagonistas – só o vilão nos convence da bonomia – e que os devíamos encher de sedução. E eu, que apenas via o sorriso sério e franco metido nas páginas, entre asas de pássaros e o aroma velho de flores secas, não desencantava ali o natural engodo. E desesperava já de tanto me dividir: conto ou mostro? Estaria aí, se a encontrasse, a solução para o decoro; mas o que eu queria mesmo era ver o adjectivo ganhar gumes sem se mostrar aos olhos. Coisa de engenho.
Só faltava, pois, fixar-me no desenlace, inventar um artifício, criar, em suma o estranhamento que prendesse o infiel às palavras.

4 comments:

Tino said...

Assim que acabo de ler,já esqueci tudo mas apetece-me ler de novo e leio e volto a esquecer-me...agora vou,sem me lembrar do que li mas com o que li guardado.Beijinho!!***

mfc said...

É tão difícil criar um personagem sem adornos, sem tiques, sem peculiaridades... é como criar um ser inexistente!
Fica asséptico.

Rosario Andrade said...

E como em todo acto de criacao, um misto enebriante de dor e de prazer...

Abracicos!

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

as tramas são tramadas! ;)
mas dá gozo essa batalhazinha. ou não, quando relemos e percebemos que perdemos, perdemos...

e: you've got mail
e: bom fim de semana
e: beijos grandes d'à beira ria para à beira rio