Monday, October 24, 2005

Descrença

Levaste-me a ver o mar de um sítio alto, visão magnífica, pensei, enquanto te olhava de soslaio para reconhecer passados. Busca-se sempre a versão dois de coisas póstumas. Escrevi levaste mas já não sei se fui eu que te levei e se foi a mim que olhaste; talvez tivessem sido olhos cruzados mas não me lembro de colisões. Trazias flores? Confesso a má memória, reconheço a teimosia de apagar tudo e destruir os adereços; depois é impossível refazer cenários, nunca se conseguem dois desenhos iguais. Era capaz de dizer que o beijo deixou sabor, mas qual beijo?, o que ficou perdido nos primeiros tempos ou a imitação desse, na ilusão procurada do mesmo arrepio? Só me lembro que estávamos sentados sobre espinhos mas tu dizias que era o verde da estação. Se lá chegarmos, pensava eu. Também me ocorre agora que era noite mas eu protegia os olhos como se o sol estivesse a pino; e o ar estava doce. Na tua boca. Foi então que estendeste a mão divina e eu transformei-me em sapo.
Maldita descrença.

4 comments:

mfc said...

Nunca ninguém é levado... os dois é que prosseguem o seu caminho! E para caminharem é preciso acreditar...

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

sim, há des-memória na descrença. o que nos salva.

beijo

Rosario Andrade said...

Por vezes, o sabor das coisas intensas é assim... difunde-se nas paredes do nosso pensamento e mistura-se com o sonho, com a dúvida de que tenha alguma vez sido mais do que a seda dos nossos desejos...

Abracicos!

Tino said...

No final da história perguntas...que história? Fica no ar um beijinho