Monday, September 19, 2005

O avô e o mar


Era uma vez uma onda…
Lembro-me das histórias do avô quando saíamos de mãos dadas logo pela manhã bem cedinho, o sol a nascer muito grande e a prometer um dia de calor daqueles em que eu ficava toda a tarde na água até ter os dedos das mãos engelhados e o corpo a tremer de frio. Nessas tardes o avô ficava à beira-mar, às vezes vinha ter comigo e estendia os braços para que eu me deitasse sobre eles e dizia: “mexe os braços” ou não dizia nada mas era como se dissesse.
Lembro-me de ter aprendido a nadar nos braços do meu avô.
Outras vezes sentava-se e vigiava as minhas brincadeiras. Ou trazia-me os baldes de água do mar para fazer um lago cavado na praia. Ou ajudava-me na construção dos castelos de ameias definidas, com túneis engenhosamente construídos sobre a areia molhada e fossos para aprisionar os inimigos. Eles vinham a cavalo para conquistar o castelo, já os avistava. Tornei-me espadachim, fiz cair cavaleiros, salvei princesas moiras e belas adormecidas, matei monstros e desfiz encantos de bruxas más.
Lembro-me de o ouvir dizer que o mar era perigoso. Ele dizia “traiçoeiro” e eu não sabia dos perigos porque a mão do avô estava sempre junto à minha quando as ondas se empinavam e enrolavam a areia que se metia por dentro dos calções.

Lembro-me, agora, de ter ouvido contar que ainda tentaram reanimar o seu corpo, depois de o retirarem do mar, junto às rochas. Disseram que escorregou quando puxou a cana de pesca e que o ouviram gritar o meu nome quando caiu às águas.

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