Sunday, October 14, 2007

O que foi que eu disse?


Depois passaram dias, muitos dias, disse eu como só os velhos dizem quando contam histórias moídas pelo mofo dos Outonos; e dos dias passados ficaram memórias sopradas pelos ventos de todos os quadrantes; memórias incrustadas na raiz dos anos, às vezes espinhos enclausurando mistérios. E depois das memórias embrulhadas nos dias todos, gravadas neles como riscos afundados no lado de dentro da pele, disse de novo que em cada estação renasce o outro tempo, o da mudança; e que a mudança apenas anuncia a conformação, não vá o informe perder-se por ausência de limites.
Limito-me a constatar os encantamentos, digo ainda: a claridade que em certos dias de Outono se solta em raios por detrás das nuvens, a encosta a verdejar nos olhos, o cheiro muito forte da terra…
Submeto-me ainda à ilusão das palavras mesmo sabendo que o que nelas passa a símbolo não é mais do que o fascínio e a construção dos olhos. Contudo afaguei o vento e, de mãos abertas, desconstruí a maior parte dos silêncios.
Foi preciso aguardar o momento certo para ver sair do casulo a simplicidade.

7 comments:

addiragram said...

Belíssimo "poema" sobre os processos
de transformação internos que desaguam em novos olhares, em novas possibilidades...A Vida está à nossa
frente, assim estejamos preparados para a receber e a descobrir.

CNS said...

O Outono arrepia-nos os sentidos, pelo despojar de velhos tempos. Pelo cheiro húmido dos novos dias
É bom ler-te. Muito bom.

um beijo

mfc said...

Ela sempre esteve dentro de ti...

Boop said...

No dia em que retirarmos a magia aquilo que tão bem chamas simbolo "nelas (palavras) passa a símbolo não é mais do que o fascínio e a construção dos olhos"...
As palavras contam histórias, sim... mas também contam afectos, vidas... longas ou curtas.

São o encontro do que de mais simples e complexo há!

(Fizeste-me pensar em Lacan, na construção de significados, no deslizes dos significantes, etc)

Fatyly said...

Algo que afagámos e que fizémos crescer, mesmo ausente é sempre tão nosso ..."Contudo afaguei o vento e, de mãos abertas, desconstruí a maior parte dos silêncios."

Adorei!****

peciscas said...

A nossa vida é feita de um emaranhado de construções e reconstruções...

Claudia Sousa Dias said...

A esse processo chama-se depuração.


Beijo


CSD