Havia dias em que lhe vinha frio dos olhos; e dias em que o olhar trazia qualquer coisa de perverso, uma coisa incomodativa ao mesmo tempo idiota mas orgástica.
Tinha só dezasseis anos mas transportava ódios velhos, como se nele coubessem troncos de árvores centenárias, firmes, enraizados na tragédia. Ou foi assim que o vi depois, porque no princípio fincou-se no meu sentir maternal a necessidade de o proteger, estranha necessidade que ao mesmo tempo causava repulsa porque ele queria aninhar-se sem precisar de aconchego; queria proximidade sem desejar o calor das palavras; queria respostas para perguntas maduras e parecia já saber o caminho antes de se aperceber da dimensão das portas.
Estranha criatura que se encolhia às agressões vindas do feminino, embora lhes atirasse palavreado clandestino e nunca confessado.
Soube que fora violentado nos primeiros anos da infância; uma história contada depois, sem o rigor do esclarecimento e com manchas escuras pelo meio. Não que ele ma tivesse contado, não! O mundo em que se imaginava era tão perfeito que nada de mal lá cabia, nem as pancadas que lhe deixaram nos olhos a indiferença, nem as palavras que o silenciaram para os outros, sabendo-se que elas fervilhavam estranhas, contidas, obscenas, malvadas, frias.
Disse-me que os deficientes não deviam viver, que os pretos não deviam estar na sua terra, que os feios deviam ser separados num mundo à parte. Quis confessar na escrita a cor negra do seu lado de dentro, não se preocupando sequer em lhe acrescentar as cores da dissimulação. As cores, pintava-as nas bonecas que desenhava, sempre as mesmas, mulheres standartizadas, personagens com funções masculinas e olhar arredondado
Não sei se precisa de ajuda. Não há bigorna que dobre um ferro colocado sobre o gelo.
Tinha só dezasseis anos mas transportava ódios velhos, como se nele coubessem troncos de árvores centenárias, firmes, enraizados na tragédia. Ou foi assim que o vi depois, porque no princípio fincou-se no meu sentir maternal a necessidade de o proteger, estranha necessidade que ao mesmo tempo causava repulsa porque ele queria aninhar-se sem precisar de aconchego; queria proximidade sem desejar o calor das palavras; queria respostas para perguntas maduras e parecia já saber o caminho antes de se aperceber da dimensão das portas.
Estranha criatura que se encolhia às agressões vindas do feminino, embora lhes atirasse palavreado clandestino e nunca confessado.
Soube que fora violentado nos primeiros anos da infância; uma história contada depois, sem o rigor do esclarecimento e com manchas escuras pelo meio. Não que ele ma tivesse contado, não! O mundo em que se imaginava era tão perfeito que nada de mal lá cabia, nem as pancadas que lhe deixaram nos olhos a indiferença, nem as palavras que o silenciaram para os outros, sabendo-se que elas fervilhavam estranhas, contidas, obscenas, malvadas, frias.
Disse-me que os deficientes não deviam viver, que os pretos não deviam estar na sua terra, que os feios deviam ser separados num mundo à parte. Quis confessar na escrita a cor negra do seu lado de dentro, não se preocupando sequer em lhe acrescentar as cores da dissimulação. As cores, pintava-as nas bonecas que desenhava, sempre as mesmas, mulheres standartizadas, personagens com funções masculinas e olhar arredondado
Não sei se precisa de ajuda. Não há bigorna que dobre um ferro colocado sobre o gelo.
A inteligência vai comandar a sua vida e o sentido hedonista que a infância lhe despertou, à custa de uma suspeitosa ausência de regras e valores, há-de levá-lo a cometer aquilo a que os seres normais chamarão atrocidades.
A imagem que me angustiou a noite foi a de um monstro.
A imagem que me angustiou a noite foi a de um monstro.
15 comments:
Qu'é isto, maria!?
O que é que te atormenta a noite que era para descansar?
São ais d'alma de não poderes aqueles alarves uma boa chapada aplicar?
Deslarga-os, que tens de bom o mais que não te podem roubar!
Enjeita-os, que não s'entende como não te sabem respeitar!
(toma lá um beijo de revolta surda por não te poder ter aqui e não te poder falar)
...ou tresli tud'outra vez?!
pirata... já leste "O perfume" do suskind?
se já leste saberás do que falo.
é mau, não é?
é mau...
mas um dos livros que mais gostei de ler...
O Mau pode-se explicar. pode-se até compreender,mas o Mau existe mesmo. Só nos resta identificar os sinais de perigo, denunciar os mecanismos psíquicos que conduzem à clivagem dos mundos,quando já não chegamos a tempo de prevenir.
Do Susnind, um pianista! só li 'O Contrabaixo', uma excepção!
...com K, klaro!
desculpa
Uma narrativa de suster a respiração. Relembrei vários monstros da história passada e da actualidade.
Já ouvi falar desse livro, mas sinceramente seria incapaz de o ler.
Bom fim de semana
addiragram... ainda bem que leste! É muito preocupante e eu não posso fazer nada. Há a polícia e a protecção de menores... mas como chegar a um jovem que não deixa que alguém se aproxime?
جيد عطلة نهاية الاسبوع
Há quem diga que nunca se deve desistir. Um deles é Boris Cyrulnik que sobreviveu aos campos de concentração e que é um investigador na área da sobrevivência e da capacidade de recuperação.
Relativamente à tua questão, nestes casos, o processo de aproximação leva muito tempo, paciência, e também preparação específica ...e mesmo assim nem sempre se consegue. Outras vezes sim.Uma dessas vale por todas!
É difícil ajudar quem não se dá à ajuda!
Monstro, há dias tinha um debaixo da cama... aliás, ainda está lá, descobri que é fémea e está a chocar...
e sabes que o dia começa com a noite?
sonha com o mar
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E não há cordeiro que redima tais pecados. Dou por vezes a pensar em como seriam determinadas pessoas aquando crianças.
"Todos temos em nós o necessário para nos tornarmos num deus ou num monstro" (adaptado)
A vida, a nossa maneira de encara-la, e muitas outras coisas vão ditar esta evolução.
O lusilandismo voltou, com nova cara e novos sonhos...
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