Tuesday, February 13, 2007

Fora de horas


Deito-me todos os dias fora de horas, mas sei que adormeço antes; talvez tenha perdido a noção da alternância entre a lucidez e a noite.
Adormeço de olhos abertos sobre a mesa onde os papéis descansam de mim. E assim fico, direita no eixo da vigília, até despertar das imagens ou dos desejos cada vez mais indefinidos, escondidos debaixo de algumas letras que repito desconexamente.
Mesmo em dias tempestuosos, transpirando sob o frio que gela a casa pelo lado de dentro, adormeço nos gestos e nos olhos ainda abertos mas sem noite que os faça descansar. As paredes são iguais todos os dias e eu, de olhos abertos sobre a mesa onde as folhas dos livros me rejeitam a vontade, forço contas de cabeça em volta de parcelas apagadas pelo tempo.
Deito-me todos os dias fora de horas e às vezes, de olhos abertos mas sem parar para pensar, dou comigo sem sentidos porque os perdi na busca de razões para que o mundo seja este girar contínuo de interesses que nunca são os que interessam, enquanto as pessoas se batem e se combatem por convicções que as viram de costas umas para as outras. E também se abatem na necessidade de confronto.
São poucas as horas do dia e é pouco o tempo para aquilo que verdadeiramente é importante, parecendo que a importância está nos argumentos da afirmação falível.
São poucos os dias em que não me deito fora de horas, fora de mim; e se o desejo permanece é porque se alimenta desta vontade de passar para além da realidade e negar aos olhos e ao entendimento a aproximação precoce do crepúsculo.
São poucos os dias em que permaneço inteira. Deito-me fora muito cedo e antes de cair a noite vou rebuscar as peças para me enformar mais uma vez, colando-me.

10 comments:

Vanessa Gil said...

Nota-se perfeitamente o toque da reflexão obtida no conteudo do texto... está Simplesmente Lindo =)

Sem mais palavras...

Bj**

~pi said...

belo de texto aos gritos...

quando a terra tremeu ontem
talvez tenha
aflorado
o lado líquido...
das almas.

(se não gostas d´almas)

então dos corpos.
dos corpos...

donde talvez são valentim nos sorria um belo sorriso...directo.
às longas noites de sono sem sono. circulares

de partir pedras e palavras donde também se faz ser e estar...vivo!!!


beijo. boas noites elipse*

mfc said...

Somos um descontínuo permanente! Chama-nos para aqui e para acolá! A quem atender? No que pensar? O que fazer?
........talvez "dormir" de olhos abertos!

Fatyly said...

Apanhaste-me em baixo e fiquei sem palavras. Posso dar-te um abraço "fora de horas"?..................................****

asdrubal tudo bem said...

Eu resumi todo este texto numa frase: Mais vale ser rico e com saude do que pobre e doentinho.

psique said...

com estado de espirito que estou... só mesmo um abraço

Claudia Sousa Dias said...

Hj também estou um pouco em baixo...


Mas gostei do texto. por cá só não se consegue dormir por cauda dos temporais. Estão cada vez mais medonhos.

Estou sempre a ver quando é que me entram o vento e a chuva pela marquise adentro depois de estilhaçar o vidro para inundar a casa logo de seguida!

CSD

jorge esteves said...

Mesmo que chegue fora de horas fico dentro destas palavras inteiras!...
Abraço!

Anonymous said...

Fizeste com que as lágrimas assomassem aos olhos. se calhar é da gripe.

ivamarle said...

...eu bem digo, por vezes a vida fragmenta-nos...