Sunday, December 31, 2006

Balanços



Balança-me a calma contra a natureza teimosa de estar-de-cabelo-ao-vento.

Balança-me a dureza de um-mundo-a-subverter-valores-que-eu-aprendi de maneira inversa, ou os meus mestres estão fora de prazo e eu não dei por nada.

Balançam-me as mãos entre as palavras-brilho-de estrelas-que-enfeitam-a-noite e o palavrear-contínuo-que-paira-amargo-e-purulento sobre as mesas dos dias de festa.

Balança-me a lucidez, entre a justiça apregoada da morte alheia e a condenação-que-ficou-por-decidir porque outros são tão gravemente culpados e morrerão um dia, docemente acompanhados pelos anjos, em clínicas forradas a veludo branco.

Balança-me a sensação de causa perdida entre o-veneno-que-sorvo-para-dentro e o riso tentado nos dentes, sem que eles aprendam a morder outra coisa que não sejam as mãos-a-desenhar-a-arte de ser ao menos feliz uns minutos em cada dia.

Balança-me a visão das chamas que reduzem a cinzas as florestas-rainhas-de-interesses-que-eu-não-atinjo quando o aquecimento violenta o planeta; e depois as águas que chegam na estação oposta e arrastam vidas-que-não-interessam-a-ninguém a não ser à mediatização que valoriza quem-tem-tudo-e-quer-ainda-mais, manipulando-nos os olhos.

Balançam-me os afectos enleados numa memória a fazer-se ao passado num-ritmo-que-os-anos-aceleram, entre as raivas desagravadas e a dor-recriada-a-ponto-cruz.

Balança-me o entendimento, à vista de centros comerciais apinhados de gente que compra-e-compra-e-compra na ânsia de remendar com trapos novos os buracos invisíveis das coisas importantes.

Balançam-me os olhos-pousados-nas-mesmas-paisagens despidas tentando eu cobri-las com voos de conhecimento e satisfação insane.

Balança-me a compreensão da natureza humana, a degradar-se muitas-vezes-na-porta-ao-lado-da-nossa, onde alguém chora sem se fazer ouvir, perante uma loucura que só nos incomoda quando as crianças morrem e se desvendam os porquês.
Balanços...

Vamos vê-los em todos os telejornais e depois na imprensa; lemo-los aqui também, nas escritas privadas onde expomos as nossas vidas reais ou ficcionamos as que queríamos mais reais ainda. E balançamos: verdes ramos à espera de crescer; ou ramos já maduros fragilizando-se na pressa.

Não sei se Jano chora o ano que termina e sorri ao que vem; ou se, pelo contrário, ri do que passou e chora o que está para vir.
Também os mitos estão subvertidos...

11 comments:

Anonymous said...

Façam-se balanços mas não balancem as convicções. O balanço que fazes é exacto. As palavras relativamente benignas para o nível de violência deste tempo. É importante não esquecer as lições do passado. É importante transportar a chama da racionalidade para um futuro. O mundo nunca foi maioritariamente justo e por isso os tempos actuais nem nos podem surpreender. Se outra ética não houver, haverá a insustentabilidade material do neo-liberalismo para fazer recuperar a razão. Não há recursos que cheguem para a generalização do modelo consumista ocidental. Vivemos uma certa forma de 'Idade Média'. Como então, a razão e o espírito crítico têm que permanecer nos subterrâneos se não quiserem ser dizimadas pela barbárie uniformizada. Mas essa poderá ser a forma recorrente de a razão se manifestar. Pode ser que não haja outra saída que não seja este ciclo milenar de alternar o poder relativo da razão com o poder dramático das emoções básicas. E pode ser que não. O projecto de vida hoje pode já não ser outro senão tentar. Não deixa de ser um bom projecto...

addiragram said...

È nesse balanço lúcido de tudo o que de mais primário a natureza humana contém, que nasce o intervalo para nos maravilharmos com a beleza que também não pode deixar de ser apreciada!Não serão as duas faces de Jano a consciência da nossa verdadeira natureza?Só sobreviveremos, contudo, se não deixarmos de nos rebelar...como tu.Feliz 2007 são os meus votos!

~pi said...

às vezes parece que tudo cai
que tudo arde chora dói
que balança, insustentável...

às vezes o tempo é cruel
vivemos outra bárbara vida
uma idade média, sim, os contornos
do medo de novo ao lado das mãos e da boca.

admitir esta exponencial queda no abismo é o pior. nas pessoas. que estão ao nosso lado, que dormem connosco, que comem connosco.
que culpam. e fogem, aterradas, em gritos de munch. e

irrompem às manadas nos carros, nos centros comerciais, em poses de loucura e desespero.

não me apetece ser cruxificada. não me apetece prestar provas.
se puder evito.
duvido seriamente do sentido de quase tudo.

(quando posso, escolho. estar centrada em duas ou três coisas simples. respirar. dançar. sorrir.
infelizmente nem sempre. às vezes. há que treinar. penso que não quero nem sei fazer mais nada.)

espero que te rias pra mim brevemente! beijo

Fatyly said...

Balanço-me nos quatro comentários e fixo-me no teu post!

Ohhh pá, pirata agora não pf, deixa-me fazer anos para comer o bitoque anual sim???
e depois manda lá a ordem: ESTOURAR-BALANÇAR-ESTOURAR-BALANÇAR!

Juro que não bebi
Juro que não f...
Juro que não ri
Juro que Jano sorri!

Mais uma folha no meu caderno para ir lendo, porque deste tanto balanço que fiquei com o estomãgo completamente revoltado!

Beijos e desculpa ohhh bela elipse!

Anonymous said...

Balancemos sem cair por terra.
Não ha-de ser tudo bom mas que o mau se esbata, é o que desejo para 2007 e os que se seguem.
Beijinhos

mfc said...

Há alturas em que nos apetece desistir tal é o grau de barbárie que nos rodeia... mas precisamente essa tua atitude crítica contém a semente de uma visão renovadora e que se quer diferente... muito diferente mesmo.

Um grande beijo para este 2007.

... said...

Oh, as vantagens de Jano!! Duas cabeças: uma para doer outra para viver; uma para teimar outra para pensar; uma para PARECER outra para saber; uma que me consola nas flores do passado e outra que me prende às promessas do futuro.

Problema de Jano: abre o ano mas não se pode atirar de cabeça ...

Que 2007 seja um "ANO BOM", para quase todos!

Eric Blair said...

He he, gosto deste blogger service: "industry: education".
Pois, cada vez mais uma indústria. Pragmático, o coiso.
Quanto às têmporas, estou a tomar nota, mas refere-se apenas ao Porto e Minho. Quando tiver o prognóstico publicá-lo-ei.
Até breve.

Unknown said...

Antes de mais, um feliz 2007!

Obrigada pela visita ao nosso cantinho, que espero vir a justificar algumas outras!

Vim procurar eco da ternura das palavras que nos dedicou e encontrei-o!

Parabéns pelo espaço... e obrigada!

Anonymous said...

Por mais feliz que seja o balanço pessoal a nível global é sempre um desastre.
Beijinhos e obrigado pela ajuda lúcida.

ivamarle said...

sim, provavelmente também eles estão corrompidos...

no meu caso já nem tem balanço, é mais um peso, mesmo...