Thursday, August 10, 2006

Calor a mais

E tinha tomado como referência o calor do Universo para me pôr de bem comigo quando há tempos o Outono caía no seu tombar finalizador e me arrastava. Agora, porém, dificilmente resisto à vontade de me defender. A temperatura exterior ultrapassou a da minha pele e por isso derreto nesta lassidão agravada pela falta de contornos. Não que os contornos tenham a ver com o sol. E daí, talvez tenham, sim, que o excesso de luz rouba a clareza das coisas e o solo reverbera a escassa humidade que anda ali pela superfície rasgada da duração feita prolongamento. Solo frágil onde todo o verde se tornou secura à mercê das chamas até não restar mais do que a esterilidade das cinzas.
Não me apetece estender-me ao sol. Muito menos enfrentar os caminhos de areais escaldantes e as corridas desenfreadas por um lugar à sombra. Há gente a mais nas praias, nos estacionamentos, nas estradas. Paradoxalmente, se cada um se sentar ao volante do seu automóvel, de vidros fechados para melhor sentir o fresco do ar condicionado, dificilmente reconhecerá que na pista ao lado a solidão tem o mesmo som.

Mas de que é que eu estava a falar?
Ah, sim, do excesso de calor e destas noites em que os corpos não desejam tocar-se para não se derreterem naquilo que deles sobra neste Verão com cheiro a queimado.

10 comments:

peciscas said...

Apesar do calor e da lassidão, as palavras aqui, continuam o seu caminho.

psique said...

Como sempre é bom ler-te... O verão a mim deprime-me cansa-me... é tudo tão intenso tão quente que acaba por me gelar a alma...

wind said...

Sempre com grandes significados as tuas belas prosas, feitas com palavras aparentemente simples, mas que são certeiras e reais:)
beijos

Anonymous said...

Suporto bem temperaturas altas, adoro este calor...mas nunca de multidões aparvalhadas e sobretudo queimadas!
O que escreveste como diz wind foi certeiro e real.
Beijos e um bom fim de semana

ivamarle said...

realmente, a tua escrita não fica atrás da do M.de Carvalho; outras vezes faz-me recordar Manuel da Fonseca.És realmente única e diversa!!

Anonymous said...

Costumo dizer que o calor até me impede de pensar, mas estou a ver que contigo isso não acontece. Continuas a escrever como sempre.

Fico contente por ver que não sou o único a quem o verão deprime e cansa, é raro encontrar alguém assim.

addiragram said...

entre o ardor do sol e a frecura do mar há sempre a hipótese de uma escolha...
Um abraço amigo pelo prazer que a tua escrita me traz nesta noite..

Luna said...

lindo...como tu.
beijo

Fábula said...

o cheiro a queimado ñ tem impedido os corpos de se tocarem... mas... mau mesmo é ñ se importarem (c o cheiro a queimado)! :(

~pi said...

o que tu sabes do meu verão...