Sunday, April 16, 2006

Em Abril de 1506




“A multidão, que naturalmente é dessisuda e assomada, eivada agora com vislumbres de religião, entrou a bramar de ouvir um cristão denegar crédito a um milagre. Tratam-no de aleivoso e malvado judeu, traidor à fé, cruel e desorado inimigo, digníssimo de todos os tormentos e da morte. Foram crescendo sobre ele os vitupérios de toda a parte; e tanto se escandece a cólera naquela mó de povo, que arremetem com o homem, travam-lhe dos cabelos, levam-no de rastos, e atormentando-o até ao rossio, ali crudelissimamente morto o despadaçam; erguem súbito uma fogueira, onde arremessam os troços do cadáver. Acorreu a tal motim toda a gentalha, à qual um frade fez uma pregação acomodada a despertar vinganças da religião (…) atravessados de ruindade e desatino, se arremessam e investir ferina e brutalmente com os míseros judeus: degolam, apunhalam, e ainda palpitantes e com vida os arrojam nas labaredas. (…) Quebrariam corações de bravias gentes os prantos lamentosos das mulheres, as magoadíssimas súplicas dos homens e os maviosíssimos clamores tão gerais. Mas tão despidos andavam de humano os enfrascados naquele morticínio, que sem perdoar nem a idade nem a sexo, com antolhos para tais resguardos, algozavam por maneira que, naquele dia, foram mortos e queimados além de 500 pessoas dos hebreus. (…) E em razão de tôda a família judaica se ter, de temerosos, escondido em casa, lhes arrombavam portas e entravam dentro a degolar, como carniceiros, homens e mulheres e as donzelas mesmas, esmigalhando contra as paredes as criancinhas, tirando pelos pés uns mortos, outros expirando, para os lançarem nas fogueiras (…)”

Jerónimo Osório, Da Vida e Feitos d’ El-rei D. Manuel, Porto, Livraria Civilização, 1944, vol. I, pp. 194,195

6 comments:

Elipse said...

Dominicanos, mais propriamente.
Os judeus não eram queridos entre a população, tanto mais que tinham vindo expulsos de Espanha pelos reis católicos. Aliás a segunda filha deles a casar com o rei português (a primeira, Isabel, já viúva do filho de D. João II, morrera de parto poucos meses depois do casamento com D. Manuel), D. maria, impôs também que se forçasse a conversão dos judeus em Portugal, o que foi feito em 1496.
História longa.

Elipse said...

Hoje é mais visível o TER PODER... curiosamente colocado nas mãos de quem o tem por processos democráticos.
Mas acho que não era disto que falavas...

wind said...

Que horror! A igreja católica semprefez barbaridades e depois falam dos islâmicos! São iguais! beijos

Anonymous said...

A vertente negra da história da Igreja que a meu ver continua com muito PODER e "venha a nós o vosso (do povo) reino"!
elipse...é espantoso os assuntos que aqui colocas que levam-me a pensar e questionar. Obrigado! pirata-vermelho...podes não acreditar, mas admiro os teus comentários, sucinto quanto basta, fazendo um retrato fiel - passado/presente.

mfc said...

Os "brandos costumes" ainda agora têm os seus aparecimentos fugazes, para que não nos esqueçamos do bárbaro que somos quando os interesses assomam.

K. said...

:)