Monday, March 06, 2006

As mãos

Escher
Também gosto de estender as mãos e olhar para elas como se olhasse para obras acabadas. Obras que falam. Obras que escondem e se escondem. Dedos abertos, esticados, enrolados, apontados, enleados.
Mãos sujas de tinta, mãos apinhadas de ideias. Mãos vazias exibindo facetas, muitas, múltiplas.
Não contemplo por contemplar; não dirijo gratidões aos deuses. Todos eles foram servidos de obras perfeitas. Vénus teria mãos de quem sabia sentir os corpos celestes; Apolo tinha mãos de tocador de lira; Dionísio tinha cachos de uvas nas mãos, antes de os converter no saboroso vinho que ostentava na taça, entre os dedos; Zeus apenas apontava e das suas mãos saíam raios, disparados a partir da sua vontade, que era a vontade divina. Hefesto forjou

mãos e mãos a ferro e fogo.
Que vontade divina obriga as mãos a serem mais velozes que o cérebro?
Gosto de colocar as mãos sobre as letras, sendo nas teclas que é feita a conversão. Gosto ainda mais de derramar a tinta sobre o papel e desenhar palavras em linha, sem que a mente mas diga.
Não são obras que saem delas. Elas são as obras. As mãos.

17 comments:

Anonymous said...

Francamente belo como belas são as mãos, mesmo como as minhas tão curtidas e desgraças pelo tempo.
Adorei! beijos e nunca deixes de escrever!

Anonymous said...

Bom dia ELIPSE!
Também eu adoro maos... tem nao sei que de magico... a capacidade de estender um pouco e sentir na ponta dos dedos outras pessoa, sentir a arder no tacto o veludo dos dias, as texturas das horas...
O texto é lindo!
Abracicos!

SoNosCredita said...

são obra. e que obra!
quando são bonitas, então...
e dizem tanto, sem falar.

Carlos Estroia said...

isto dava uma grande discussão.
A foto (desenho) está muito bem escolhido, dá a sensação depois de ler: que uma das mãos é a mente e a outra a própria mão: a questão que se levanta é logo:
Quem copia quem?
Eu nunca coloquei a instintividade do ser humano em causa: mas será a instintividade que determina os processos mentais?
Quanto nascemos aprendemos sobretudo pelo tacto...

Abraços

antónio paiva said...

.....pelas tuas e pelas nossas, MÃOS, passa tudo o que com elas damos e agarramos, é o melhor que temos......
Beijinho!

prologo said...

É intrigante esta tua vontade de ir à origem das coisas. Agora são as mãos como poderiam ser os sonhos ou a própria realidade. Dos teus textos salta sempre essa intenção de saber uma origem, saber um início, saber a razão. Não será por acaso que uma mão desenha a outra. E não será por acaso que a imagem é um desenho, a metáfora da criação. É natural que da impossibilidade de conhecer uma convincente génese para os significados, nasça uma constante, bela e profunda inquietação...

K. said...

Que excelente leitura! Ainda para mais hoje, depois de ontem ter tido uma conversa prolongada sobre o quadro que a Paula Rego fez do Sampaio, nomeadamente sobre a posição das mãos dele naquela tela. Sobre as mãos, enfim.

Elipse said...

Pirata, tenho para a troca. E gosto.

Mac Adame said...

É bem verdade o que dizes sobre as mãos. E como tu, prefiro derramar a tinta sobre o papel. E não é por uma questão de economia de tempo, que escrevo com relativa rapidez no teclado e com os dez dedos e sem olhar para as teclas. Mas é como se o meu cérebro não estivesse configurado para escrever assim. Tudo me sai muito mais escorreito no papel. Devo estar é a precisar de um choque tecnológico, seja lá isso o que for. Ah, ia-me esquecendo de dizer que escreves muito bem.

mfc said...

Também eu gosto de mãos, elas são o nosso principal meio de expressão.
É com elas que tocamos quem queremos, é com elas que alcançamos muito do que precisamos, é com elas que transmitimos coisas lindas como as que acabaste de nos dar.

stela said...

As mãos são reveladoras, adoro a sua linguagem.
Uso muito as mãos para comunicar com os outros, enquanto falo, nas entrelinhas vou gesticulando...
bjs

peciscas said...

Amiga:
Para ti, hoje, um beijinho especial.

antónio paiva said...

.....Beijinho......

ivamarle said...

as mãos foram feitas
para trazer o futuro,
encurtar a tristeza, encher
o que fica das mãos
de ontem - intervalos
(duros, fiéis)das palavras,
vocação urgente
da ternura, pensamento
entreaberto até
aos dedos longos
pelas coisas fora
pelos anos dentro.

Vitor Matos e Sá

Um beijo ENORME!!!!!

peciscas said...

Com mãos se faz a paz
se faz a guerra...

Maria Manuel said...

As mãos foram inspiradoras e as palavras sairam tão lindas!!
Gostei imenso.

Graca Neves - mgbon said...

as mãos essas eternas fazedoras de histórias!...