Thursday, February 16, 2006

Lamentações

Há dias em que conseguimos pôr os olhos a girar e abençoamos o sol. Somos como a terra em desejos cíclicos de renovação. Mas não conseguimos evitar madrugadas frias. E se fechamos os olhos nem sequer é para conservar o calor do lado de dentro. É porque nem as ondas cadenciadas, nem a cobertura verde sobre os montes, nem as asas de um pássaro solto, nem a verticalidade de um pinheiro, nem as vozes risonhas das crianças, nem a forma das nuvens toca o nosso imaginário empobrecido pelas paisagens sujas. Nesses dias que depois se fazem anos.
Quando temos palavras para dizer desagrados, apenas comunicamos. Nada se resolve. Depois pensamos que não há nada para resolver e que não há seres humanos conformados. Basta passar os olhos por este mundo de vozes sem rosto que nos habituaram às palavras; e de imagens-mensagens-anónimas, embora saibamos das mãos que as fixam e as projectam. O resultado é este mar de lamentos. Mesmo nos outros que, à séria, escrevem crónicas oportunas e interessantes sobre as coisas que se passam, encontramos o tom lamentoso. (Teríamos que analisar as excepções, que são poucas e enumeráveis, mas hei-de voltar ao assunto). Às vezes gostamos de partilhar o prazer de um livro, de um filme ou de uma brincadeira. Ou de uma ficção que os outros lêem como coisa sua, identificando-se com as nossas personagens. Não sei por que o fazemos.
Partilha? Pedido público de socorro?
Que mundo é este que nos ultrapassa e é pequeno ao mesmo tempo? Que temos para receber dos outros? E damos? E quem dá o quê? E que coisas valem a pena? E com que palavras dizemos o nosso lado de dentro de forma a limparmos a ansiedade, o medo, a tristeza, a frustração e o desânimo?
E para quê, se sabemos da existência de todos os contrários?

Devo ter fugido ao assunto, mas acho que vinha aqui hoje para falar de lamentos. E do sentido lamurioso que é o nosso, o dos portugueses. Ou o de todos os cidadãos do mundo. Talvez porque todos os dias sei de mais alguém que recorreu à psiquiatria.

16 comments:

Carlos Estroia said...

Eu vinha aqui para me armar em Alberto Caeiro, mas depois apercibe-me que era português, tenho o fado comigo. Mas os lamentos também fazem parte da vida, e estou feliz, afinal sempre consegui (armar-me)...
Abraços e fica bem
Madrugadas luminosas ;);)

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

os psi's tb têm que viver! :))

mas os blogs já são (ou podem ser)uma excelente terapia!

isabel mendes ferreira said...

há dias ....ASSIM.....
hoje é um deles.para mim.



vou-me. deixo apenas um beijo. por um texto escrito com talento.

antónio paiva said...

.....o reconhecimento das nossas limitações, não é um sinal de fraqueza, mas sim a vontade de evoluir.....

Mushu said...

Deixo-te um abraço e um sorriso, pode ser?

jp(JoanaPestana) said...

menina
tomabeijo
e deixa lá as madrugadas dormirem regaladas no edredon
precisas é de descanso, e de te apaixonares outra vez, ficas logo com outra tez
:-)

K. said...

Todos querem comunicar, todos sentimos necessidade de dar e receber algo, cada qual saberá o quê... ninguém quer estar só, talvez.

Beijo.

mfc said...

Existimos e vivemos dualmente.É uma luta titânica entre as duas metades que nos compõem. Permite que o lado feliz vença e... sorri sempre, que ajuda muito.

SoNosCredita said...

"Que temos para receber dos outros? E damos?"

Tudo, na vida, é uma troca.
E o desespero talvez seja uma reacção ao facto dessa troca falhar... se calhar, demasiadas vezes...
Falo por mim, claro.

Não cheguei a recorrer à psiquiatria, mas já tive uma depressão.
Algo que não desejo a ninguém.
Algo nada agradável de sentir.

Felizmente, o tempo cura tudo.
Vale mesmo a pena viver!

Talvez seja o fado lusitano...
Talvez seja a consciência de que nem todos têm uma estrelinha...

mixtu said...

lamentos , são de todos, todos andamos a lamentar, mesmo os que não têm lamentos, se lamentam disso..
jinhos

Anonymous said...

vamos ao psiquiatra? mais vale fazê-lo do que encher os amigos c os nossos lamentos, nessa esperança vã de q resolvam os nossos problemas p nós. p outro lado, em x de andarmos dopados da medicação, talx devêssemos começar pelo psicólogo e, só dps, se o caso for mm grave recorrer ao psiquiatra...
p outro lado, qdo ñ é em demasia, é bom lamentarmo-nos aos nossos amigos e deixar sair aquela carga... tb podíamos praticar desporto, mas... lamentamo-nos! ;-) eh!

Mónica said...

há lamentos e lamentos!
no principio eram os lamentos pessoais, aqueles que atacam a qq hora
depois os lamentos nacionais que se chora nas horas intimas...
ou era ao contrário?
será que uns têm a ver com os outros?
será que os alemães não têm desgostos e lamentos pessoais?
ai ai ai elipse confundes-me

addiragram said...

Lamentamo-nos porque ao fazê-lo estamos na busca do outro lugar, o lugar dos curtos instantes em que a Terra parece dançar.Vivemos num sistema oscilatório de constante busca e constante insatisfação, mas a beleza da Vida reside na tolerância do provisório,que nos leva à procura incessante,à recusa de um definitivo paralizante.É assim no Amor, é assim na Ciência...A estabilidade é um lugar em que a morte se instala.

Maria Manuel said...

Sabes, acho que essa nossa (portuguesa) tendência lamentosa é que nos permite, precisamente, ir menos ao psiquiatra. Vamos fazendo terapia pelos próprios meios, ouvem-nos os amigos, que não nos cobram pela consulta, embora possam esperar reciprocidade na paciência... e lá vamos andando, talvez de aparência mais deprimida que outros europeus, mas menos doentes.

ivamarle said...

estou a compilar os teus textos, não te importas pois não. Beijo!!!

Anonymous said...

Olá!

Sou escritora e nesta minha visita ao seu blog noto que você é uma pessoa romântica e gosta de literatura. Quero lhe fazer um convite, para que conheça o meu site de poesias.
www.umamulherumpoema.recantodasletras.com.br
Um grande abraço e sucesso.