Monday, March 09, 2009

A construção


Volto sempre à ideia das construções narrativas para tentar clarificar.
Dizia que vou buscar aos bolsos as histórias planas que aí colocara pela insignificância do dia, ou pela sua dimensão de esboços mal começados e que as vou enchendo de palavras como se enchesse de sentidos uma coisa sem forma, assim criando fingimentos sérios.
Digo ainda que podem ser histórias de partidas, histórias de alcançar rumos ou de feridas causadas pelo romper dos sonhos colados à pele. Histórias de desejo. Histórias com vento, escritas à vista do veleiro de que os olhos se apropriam num dia de verão à beira-mar. Histórias de projecção do ser no ser ou noutros seres cujas vidas se decalcaram no plano da minha rua ou noutros ainda que entram na janela do meu recordar sendo que tudo o que se recorda está em confusa arrumação numa arca de criações múltiplas. Por isso são sempre histórias.
Dizia que toda a ficção é a invenção da possibilidade de ser, o cruzamento de mundos alternativos com personagens a dobrar falas. E que assim se desenham nos relatos os gestos, as vozes, as intrigas e as soluções, mas sempre em histórias.
Digo ainda que recordar é sempre uma narrativa. E que para narrar se parte da selecção dos factos; e que a selecção muda todos os dias, a partir do que nos aconteceu ontem ou já hoje.
Que pode sobrar nesta construção narrativa que aqui exponho aos olhos dos outros?
A ficção. Para ser lida.
Nesse momento começa a outra construção porque só os outros olhos dão sentido às palavras quando delas se apropriam.

9 comments:

CNS said...

Os olhos dos outros multiplicam as histórias na nossa história.

um beijo

joaninha said...

Sim! Sempre a ideia das construções narrativas (tentam mesmo clarificar?) O teu texto é uma obra de arte muito certinha, que me deixa os pensamentos num bailarico frenético.
Palavras! Pegaste nas palavras e com elas mostras, ou melhor, tentas mostrar o que cada um de nós queria manter escondido… são páginas e páginas das nossas histórias que nem sempre serão lidas… são todas as palavras que juntámos e que quando quisemos pô-las seguidas, nem conseguimos escrever amor…
Minha amiga, gostei demais deste teu escrito. Está soberbo! Um beijo para ti da isabel

Maria Arvore said...

Então tocamos os outros pela ficção quando os outros se sentem espelhados como se fosse sua aquela construção?...

Elipse said...

... ao ponto deles sentirem as dores que nós fingimos, maria.

Espanta Sono said...

Histórias que embora sejam apenas isso, muitas das vezes, têm algum motivo para serem expostas aos olhos dos outros. Outras vezes, é a vontade de alinhar as palavras, efeito da imaginação, que a Elipse faz tão bem.

Beijo

Marta said...

Divaga! Sempre.
Nunca me deixes esquecer o que me ensinaste hoje:

«recordar é sempre uma narrativa...»


saio daqui, mais clara. e muito grata.

um beijo

Fatyly said...

Mesmo que seja ficção há sempre algo do próprio autor, caso contrário nunca escreveria. Julgo eu de que...

mfc said...

O texto deixa de nos pertencer por completo após a publicação.
... e estou a gostar muito deste teu regresso.

Fabulosa said...

é assim que essa construção também pode ser uma espécie de desconstrução.