Tuesday, June 17, 2008

Pregar aos peixes

Foi um Visionário, um diplomata, um pregador da Capela Real, um conselheiro avisado, um humanista, um lutador pelo respeito da dignidade humana, à frente do seu tempo, e um artífice, como houve muito poucos, da palavra dita e escrita.
(excerto do enunciado de um exercício da Prova Escrita de Português, hoje, a propósito do Padre António Vieira)


É Visionário quem efectivamente vê para além do visível.
O Padre António Vieira via, na cor da pele do outro, não o sinal da diferença geradora da recusa que leva ao domínio, mas tão só o sinal do respeito que um ser humano adquire à nascença.
Era também um conselheiro avisado que advertia os governantes num manejo assertivo da palavra escrita, arte de apenas alguns, os que são depois lembrados pelos séculos dos séculos: “ou vedes ou não vedes: se o vedes como o não o remediais e se não o remediais como o vedes?”, escrevia Vieira no século XVI. E dizia, pregando aos peixes: “Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam 100 pequenos, nem 1000, para um só grande.”
E hoje?
Sujeição ao politicamente correcto; respeito institucional, cumprimento da lei, preconceito, ganância, medo.
O politicamente correcto espartilha-nos na polidez imposta; o respeito institucional limita-nos nos anseios de sobrevivência; o cumprimento da lei cega-nos a criatividade; o preconceito envenena-nos a racionalidade; a ganância faz com que nos continuemos a comer uns aos outros como se o mundo acabasse amanhã; o medo bloqueia-nos a acção.
Por que incentivo à fuga?
Não se trata de culto gratuito ao desrespeito mas sim de defender o pensamento e a razão, valores quase perdidos numa sociedade virada para as tecnocracias e para a facilidade do ir atrás dos outros. Questiono as atitudes, não o dever de cidadania.
Onde está a valorização do lado humanista de cada um de nós?

13 comments:

Fatyly said...

O passado coincidente com o presente...mas não vejo as coisas tão negras embora tenhamos o dever de questionar sempre que nos deparamos com "imbecilidades"...onde está(...)?
Aqui, sempre aqui e para estar aqui, acredito e luto contra a corrente.

Um beijo

addiragram said...

Valorizamos muitas vezes no papel,mas não valorizamos, as mais das vezes, nas acções.

Claudia Sousa Dias said...

Ainda não li. Mas estou de olho no romance de Seomara da Veiga Ferreira sobre ele. "O Fogo e a Rosa". Por aquilo que eu sei da escrita dela, promete.

Beijinho


CSD

peciscas said...

O Padre António Vieira atravessa os tempos porque era um homem raro.
Pena é que, no velho Liceu só nos alertassem para a forma, para o estilo, para a qualidade da linguagem.
Se tudo isso é excelente, as ideias que estão subjacentes aos textos deveriam ser mais divulgadas.
Aliás, neste post, mostras bem a actualidade dessas ideias.

mfc said...

Tecnologicamente demos pulos imensos.
Quanto às relações humanas.... continuamos na Idade da Pedra!

Boop said...

;)

J Alexandre Sartorelli said...

Oi
Pesquisei blogs que continham as palavras de um poema que escrevi (ver abaixo)
e encontrei o teu. Gostei muito.
E a minha pátria é a língua portuguesa.
Direto do Brasil, Alexandre
alexsartorelli.blogspot.com

Segue a chuva
Na manhã profunda.
O ritmo não te esqueço,
Do dia, do começo.
Das rimas
A se repetir
Vadias,
Quando
Com todo o corpo
Sorrias.

Mónica said...

não concordo. não acho nada mal ser politicamente correcto, respeitar a institucionalidade, o cumprimento da lei, etc. não sei o que a ganância e o medo têm a ver com isto. pelo contrário!

estou a pensar no meu meio profissional onde impera a lei do oeste por isso quem me dera um sopro de "polimento" mesmo que fosse um polimento hipocrita!

mas respondendo-te: as humanidades estão fora de moda, o que está a dar é a engenharia financeira :D

ou seja, acabo por concordar contigo mas não pelas razões que apontas

Mónica said...

não conheço o autor para comentar os excertos com opinião, mas a expressão pregar aos peixes traz-me à memória um vitral na igreja de sto antónio da polana onde passei voluntariamente grandes secas a tentar entender que raio diz o padre na missa que vai tanta gente ouvi-lo e eu não compreendia nada :DDDDD

Teste Sniqper said...

Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão.

Claudia Sousa Dias said...

Que é feito de ti...?

que saudades...


:-(


Beijo de boas férias se for o caso...


CSD

CNS said...

Quando voltas? A tua janela já está fechada há tempo demais...

Boas Férias.

bj

Anonymous said...
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