Friday, September 28, 2007

A tolerância

Lisboa no séc. XVI

Desde a criação do Reino de Portugal até à promulgação do Édito de Expulsão (1496) supõe-se que terá havido um clima de relativo convívio entre as populações cristãs e judaicas; a existência de judiarias (sempre que a comunidade era superior a dez elementos) nem sempre foi extra muros, embora com o passar dos tempos se tornasse comum essa localização.
Sabe-se que D. Afonso Henriques nomeia um judeu como seu almoxarife-mor.
Os primeiros reis protegem-nos e contam com eles (e com os mouros) para o povoamento do reino, por isso são-lhes dadas terras, assistindo-se a uma certa prosperidade social e económica em virtude desse clima de integração. Muitas vezes são utilizados como diplomatas ou espiões dos reis portugueses, entre os turcos e os mouros, pela facilidade com que se relacionavam com os poderosos no comércio.
D. Manuel chegou a recorrer a Abrãao Zacuto, conceituado astrónomo judeu expulso de Espanha, para saber da possibilidade de uma viagem até à Índia.
Chega a questionar-se este ambiente de tolerância religiosa sob a alegação de que a violência constitui um traço central da relação entre cristãos, judeus e muçulmanos, uma violência exercida de forma constante na vida quotidiana.
De facto há conhecimento de vários assaltos, particularmente o de 1449, ocorrido na judiaria grande, em Lisboa; porém, também há notícia de medidas exercidas sobre os cristãos que roubam. São episódios esporádicos e, ao que parece, não directamente relacionados com questões religiosas.
Até ao reinado de D. Manuel a convivência foi, pois, relativamente pacífica.
Sobre a comunidade mourisca sabe-se pouco. Seriam uma minoria de condição modesta a viver em mourarias, diminuindo em número durante toda a Idade Média, devido à conversão e assimilação progressiva de uma parte (mínima) e à emigração para a Espanha Islâmica e Maghreb. A maior parte destes mouriscos constituíam mão-de-obra escrava.
No Paço Real havia músicos mouriscos que cantavam e tangiam com alaúdes e pandeiros, charamelas, harpas, rabecas e tamboris – ao som dos quais dançavam os moços fidalgos durante o jantar e a ceia.
Além de bailarem, ocupavam-se de serviços do campo, tratavam dos animais e cozinhavam. Podiam dedicar-se ao comércio mas se o faziam era para vender produtos de raiz agrícola, vinho, azeite ou fruta seca. Quando escravizados podiam constituir sinal de riqueza para quem os possuía: podiam ser emprestados, oferecidos ou mesmo constar nas heranças dos seus donos.
As mulheres faziam o acompanhamento de senhoras em saídas festivas, trabalhavam na seca do peixe ou como lavadeiras: a limpeza da cidade era assegurada pelas mil "negras da canastra" enquanto outras mil carregavam água dos chafarizes para as casas: um vintém para o senhor e outro para a trabalhadora escrava ou forra. Mil e quinhentas lavadeiras e ensaboadeiras por conta de outrem – “mulheres e negras” – tratavam da roupa de seus donos.

6 comments:

Erecteu said...

Que belo e bom naco de prosa.
Afinal Mariboru faz-nos bem :)
Volta que estás perdoada :) :)
Bjs

addiragram said...

Já ganhei o dia! Mesmo antes da partida...Esperam-se os próximos "episódios"...Estou a brincar! Beijinhos para ti.

K. said...

Que bom...


Um beijo grande.

Fatyly said...

Pois...vou agora ali acima:)

mfc said...

Olha que pouco mudou!!

Claudia Sousa Dias said...

Os factos da primeira parte desta tua crónica encontro-os no romance "Crónica esquecida de El-Rei D. João II" de Seomara da Veiga Ferreira - Prémio Florbela Espanca - que li há alguns anos...


CSD