Sunday, April 29, 2007

narrativas com asas. ou apenas símbolos

René Magritte

E não saí das páginas…
Espalmada nelas converti-me em tempo narrativo, encolhida no espaço das histórias que ficam por contar.
Arredondei-me no volume das personagens e na gramática dos monólogos surdos.
Diálogos, sonhava-os, mas era se soubesse com que palavras se constrói a trama das histórias felizes.
Nos arabescos das aves podia estar o código por desvendar se não tivesse a certeza de que tudo é simbologia.
Heróis? Só nas histórias antigas, dentro dos livros de fadas; mas os episódios são sempre interrompidos pela focalização em outras realidades, as cruas, aquelas que não têm sequência narrativa, por mais que se queira aligeirar o desenlace.
E a acção tem um nome que é sempre o nome de outro nome; às vezes promessa sob um nome, sob a palavra que se pronuncia. Como se tudo tivesse um rosto visível e outro escondido. Pronuncia-se amor e é hábito que se diz. Diz-se o nome à espera que ele se converta na imagem de desejo.
E o que se deseja? Que o rosto visível das coisas seja a satisfação do desejo oculto.
Diz-se Primavera aguardando flores e pássaros na paisagem; e se as pétalas voam fica-se sem saber se eram as aves ou se era apenas o cheiro a rosas, sem as rosas. Figuração.
Um nome é sempre um nome de outro nome: se digo “eu” posso estar a anular a existência porque é do outro que falo; hábito de dizer e deixar escondido o que não ousa ser dito ou sequer pensado. Todo o pensamento ultrapassa a competência narrativa.
E no entanto há um desconforto no pensar, um subtítulo mal enunciado em cada coisa.

13 comments:

mfc said...

É dessa necessidade de sussurrarmos aos outros o que pensamos (daquilo que precisamos deles também)que surge a necessidade da escrita.
Continua a precisar de nós que a gente precisa de letras assim.

rui-son said...

Podes ter posto como label no teu post "insanidades", mas eu adoro perder-me nas tuas insanidades e acho que apesar de tudo não são assim tão insanas, nas tuas palavras à sentimento e à coêrencia.
No final, o que interessa é que gosto muito.

-pirata-vermelho- said...

Outra vez, (re)proponho(-te)
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E não saí das páginas…
Espalmada nelas converti-me em tempo narrativo, encolhida no espaço das histórias que ficam. Arredondei-me no volume das personagens e na gramática dos monólogos.
Diálogos, sonhava-os, como se soubesse com que palavras se constrói a trama das histórias felizes. Nos arabescos das aves podia estar o código por desvendar, numa certeza de que tudo é simbologia.
Heróis? Só nas histórias antigas, dentro dos livros de fadas ou em episódios sempre interrompidos pela focalização em outras realidades cruas, daquelas que não têm sequência narrativa por mais que se queira aligeirar o desenlace; a acção tem um nome que pode ser o nome de outro nome. Às vezes promessa sob um nome, sob a palavra que se pronuncia.
Como se tudo tivesse um rosto visível e outro escondido, pronuncia-se amor e é hábito o que se diz. Diz-se o nome à espera que ele se converta na imagem do desejo.
E o que se deseja? Que o rosto visível das coisas seja a satisfação do desejo oculto. Diz-se Primavera aguardando flores e pássaros na paisagem; e se as pétalas voam fica-se sem saber se eram as aves ou se era apenas o cheiro a rosas, sem as rosas. Figuração.
Um nome é sempre um nome de outro nome: se digo “eu” posso estar a anular a existência do outro por ser do outro que falo, mas o hábito de dizer e deixar escondido o que não ousa ser dito ou sequer pensado é processo que ultrapassa a competência narrativa; e fica um desconforto no pensar, um subtítulo mal enunciado em cada coisa.
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addiragram said...

Dizes, genialmente, o drama do Humano.O Desejo é infinito, interminável e num aperfeiçoamento constante..A Realidade é a medida das nossas limitações e imperfeições. A Arte estará, parece-me, em tolerar uma Realidade aproximativa sem deixar de perseguir a utopia que o Desejo nos traça e sem deixar que esta utopia destrua o que vai sendo possível. Talvez assim se possa, por momentos, voar das páginas para a vida.

SoNosCredita said...

há sempre a censura... mesmo no sonho.

Fatyly said...

O que seria dos escritores sem leitores, já que a escrita é um bem necessário? EU aprendo sempre contigo!

Beijos

Erecteu said...

Deixas-me a pensar e com vontade de contradizer, mas não sou capaz porque releio e revejo-me, contrariado, em cada imagem.

mixtu said...

vou ter que ler novamente...

Unknown said...

Ola, vim deixar-te um doce bjinho.
Papoila Sonhadora,

Boop said...

Estamos as duas com Magritte...
Que empresta tão bem simbolismo ao que vamos escrevendo!
Gostei de te ler!

ivamarle said...

"(...)dizem que as palavras são más; elas não são más nem boas, mas as palavras ocupam espaço e acabam por ocupar espaço, na vida das pessoas"

recebi uma carta há muitos anos, que ainda conservo, onde me disseram estas palavras...

ivamarle said...

Já me esquecia, se tiveres tempo e disposição, tens lá um desafiozito...

Claudia Sousa Dias said...

Podia escrever um livro inteiro só a comentar este texto...


CSD