Friday, November 24, 2006

Neblina na hora tardia do serão, enquanto chove.

Salvador Dali - City of Drawers

Declina o dia e com ele os retalhos emendados na neblina destes pensamentos velhos; não gosto do anoitecer precoce quando a hora se faz tardia nem deste gosto embaciado do serão inútil. O gato roça-se e aninha; e eu sem serenar remexo nas entranhas da saudade e vou organizando os papéis eternamente dobrados sob a tentativa da harmonia.
Dezembro aproxima-se no vento que hoje assaltou o meu quintal enquanto eu recuso o cansaço e digo que está tudo bem. Detesto as trivialidades mas também não me apetece que me tomem pelo destaque das palavras semeadas nos alfobres das minhas inquietações. E no entanto alimentei a terra antes das sementes e cuidei delas com o desvelo de quem só harmoniza a geometria das construções no momento em que o dia já percorre a outra latitude.
Não me apetece repousar o corpo sabendo que dentro dele a paz foi tomada de assalto pela desagregação das frases estruturadas a preceito; repousarei as mãos, apenas, depois destas palavras. A mente é mais tenaz, não cede, não se deita, não se deixa levar nem leva em si mais do que os retalhos emendados teimando em dizer inteira a fórmula da saudade que é a forma repetida do sonho sem uma única incógnita por resolver.
Deito o corpo, prometo; deito-o ali ao lado, na largura da cama, estendo-me serena; e depois enrolo-me em mim apertando o pesadelo: sei que hei-de começar a queda lá em cima, no topo das escarpas e que vou acordar ainda a meio, pela manhã, quando tudo recomeça.


9 comments:

SoNosCredita said...

"retalhos emendados"

é o que fica!
e, se for o caso, voltam a romper ou a descoser...

Anonymous said...

Houve alturas em que tive medo de deitar o corpo, pois parecia que a mente se comprazia no remexer dos pensamentos.

~pi said...

se acordares a meio da queda, há que reparar que há um magnífico tapete de veludo vermelho à tua espera. onde te podes enrolar e bricar. macio.
com cheiro a abrigo e flores.
(acabei de pô-lo lá pra ti!!!)
um grande dum abraço

Fatyly said...

Momentos, que só quem os vive é que sabe e por vezes o corpo dorme mas a mente é um filme que nos marca ao acordar! O equilibrio emocional pode demorar mas aparece sempre!
Beijos e um bom fim de semana

Anonymous said...

Passei por cá só para ver outa vez este Dali.
Bom fim de semana.

mfc said...

A luta permanente entre o ser e o devir! Quem ganha? Normalmente é o ser!!

Claudia Sousa Dias said...

o etrno recomeço. Elipse, és Sísifo no feminino.

CSD

Anonymous said...

denoto de novo uma nova luta em cada manhã? ou terei de ler de novo?...
houve um parágrafo que me perturbou pela incisão...

Anonymous said...

"Detesto as trivialidades mas também não me apetece que me tomem pelo destaque das palavras semeadas nos alfobres das minhas inquietações. "

quando encontrarás o equilíbrio desejado que fomenta a paz de espírito? o fulcro onde ancorar?