Sunday, November 19, 2006

Abraços



Do mar à montanha vai a distância medida em diagonais concêntricas. E o acaso.
A possibilidade não acontece apenas nas palavras inventadas. Tu sabes. Também o enlaçar que fica dos primeiros tempos aprisiona. Ou prende. Ou liga.
É uma linha traçada na geografia, do extremo oeste ao extremo este, mas vista do sul para o norte. Uma história em que eu também entro, ainda que à distância, envolvida nas diagonais das coincidências. Mas isto sou eu que digo, fechada na pequenez do meu espaço. Lembro, contudo, dias de verão em que nos juntávamos a ver o mar. Lembro a pedra da galé e as ondas batidas na extensão da areia até às rochas. Abelhas, búzios, peixe fresco e festa. E drama.
Depois passaram os dias e com eles os anos, sem que a gente se apercebesse dos limites do tempo. Os outros envelheceram, dizemos nós que vamos limpando todas as manhãs as folhas secas que o vento deixa espalhadas pelo pátio. É Outono apenas; mais nada de importante se passa para além dos ciclos que no espaço descrevem as diagonais. Digo eu, de novo fechada nesta pequenez.
O teu espaço é agora mais vasto e a erosão dos elementos não perdoa a calma com que disfarças os gestos cansados. Temos rugas, todos; vêm ao de cima fragilidades que provavelmente partem dos ossos gastos nas caminhadas mas chegam também à pele pregueada a mirrar de teimosia. Perto de ti há quem precise de um agasalho quando a geada cai e tu sabes trazê-lo no momento certo. Não é que esteja frio; se estivesse seria mais duro lembrar que Dezembro não tarda. Assim, só o entardecer precoce do dia lembra o passado.
Não muda em mim esta tendência antiga de colocar as manchas negras sobre as cores; mas tu disseste que já não recordavas o que se passou ontem. Que fique para trás o passado e os monstros que o povoam, foi assim que eu ouvi. Soube bem abraçar-te.

De tudo o que fica é bom saber que o laço aperta ainda e que os sentidos se agitam quando a gente aperta no colo os bracitos tenros ou quando se festeja a amizade num soprar de velas.

12 comments:

Anonymous said...

Tardaste mas compensou.
De qualquer forma fica o consolo de saber que se o tempo nos castiga com as memórias e a incerteza do amanhã, temos no presente algo que agarrar.
Um bj domingueiro.

Fatyly said...

Não tenho palavras apenas..."um sopro num apagar de velas"!
Comovente!

~pi said...

o negro, as sombras são tanto da vida como luz, como cores.
descobre-se,
aceita-se,
aprende-se,
integra-se
len ta men te.
sempre lindo o que escreves. beijos

Elipse said...

tardei apenas porque o tempo não chega para estes pequenos prazeres.

o texto é dirigido, por isso é hermético. Mas é de amizade esta escrita.

Obrigada, sempre.

mfc said...

Um reencontro é uma alegria imensa. É vermo-nos com outros olhos...é revivermos os tempos em que... vivíamos!

José Manuel Dias said...

Sintonia perfeita ;-)
Bjs

Anonymous said...

O teu reencontro passou-se bem. O meu...
Tive um no outro dia e não o reconheci, para bem meu.

peciscas said...

O passado, verdadeiramente, não passa...

addiragram said...

Toda a história, todas as estórias,ficam gravadas...nos corações, um dia, habitados.Elas virão mais dia, menos dia...

Anonymous said...

é sempre gratificante festejar a amizade; por vezes faz-se num pestanejar quase imperceptível para quem está de fora.Tem muito de Outonal este texto, lembrou-me uma revista Universitária de Letras de 1888, onde li poemas que nunca mais esqueci e dos quais deixo umas estrofes:
quando o outono chegar e os teus olhos cerrados oor instantes/quiserem recordar, voar e ficar ao pé de mim/hão-de encontrar os meus já tão distantes/como distantes, longe das estrelas,/as folhas amarelas que começam cobrindo o teu jardim.
Quando o outono chegar, minha cara amiga incompreendida/ vem-me acordar, chamar e abrir de par em par o portão desta casa adormecida/cerrado ele, seremos dois enfim/rostos de encontro aos vidros das janelas a ver as folhas amarelas/a tombar, a cair no teu jardim..."

Anonymous said...

Tomei a liberdade de vir comentar este seu "post", espero que não se importe.
Gostei bastante deste seu texto..transmite um sentimento profundo, na minha opinião. Pelo que percebi, este texto está dirigido à Amizade, e é um texto muito lindo e comovente também..

Por vezes temos amizades presentes na nossa memória, nunca esquecidas! E quando as reencontramos, desperta-se um sentimento (adormecido), á volta de um abraço forte..

Bjs**

Elipse said...

interpretaste muito bem, vanessa. é mesmo um hino à amizade, talvez uma das coisas que mais permanece, quando outras acabam...
obrigada.