Sunday, May 14, 2006

Abrir o espaço

Disse então que sim, que tinha o direito à ousadia.
E foi nesse exacto momento que alisou os gemidos; meteu-os no bolso de um casaco velho e guardou-o para quando chegassem Outonos a pedir lágrimas.
Ouviu o eco das palavras a dizer que nunca se fecham portas e pensou que sim, que nunca se eliminam memórias porque elas coabitam entre si e o apagamento não sabe de escolhas.
Imaginou que um café tomado à beira-rio podia ajudar os olhos a ir com as águas, a foz ali ao lado, abertura de espaço, para começar o dia. E foi.
Na outra margem crescia o casario; gente, muita gente, pensava, gente que adia decisões e se enrola no passar das horas.
Sabia de angústias, de noites mal dormidas, de amigos calados à espera das palavras para decidirem das respostas, ou antes, das propostas. Também sabia de marés vazias e das ondas a dizerem depois “que não, que não, que não tens culpa”. Contemplação de céus para matar o tempo de espera.
Depois foi tempo de dar as mãos de novo. Não é que as soltasse de si; era apenas a vida a crescer de dentro para fora. E a licença expressa para ser feliz naquele instante.

11 comments:

Anonymous said...

Tu vais ao âmago das questões. É isso mesmo, a espera, a busca "dessa licença para ser feliz" preenchendo um espaço tão vazio. Gostei muito!
Um Bom domingo

ivamarle said...

a vida é feita desses instantes, em que tantas vezes no acto de comtemplar, nos surgem todos os equilibrios possíveis num apertar de mãos vazias...

ivamarle said...

contemplar, queria eu dizer.

mfc said...

A contemplação e o virarmo-nos para dentro, permite-nos descobrir em nós novos caminhos e razões para nos sentirmos confortados.
Fá-lo mais vezes.

K. said...

Ser feliz um instante de cada vez...

wind said...

Bela prosa de introspecção, de recomeço e sim, é de dentro para fora. O resto escreveste tudo e muito bem:) bjs

antónio paiva said...

......assim é, o isolamento tem de ser vencido.....

peciscas said...

Há , de facto, na vida, instantes carregados de magia. É por sabermos que eles acontecem que nos apetece sempre não desistirmos perantes as amarguras e os cansaços.

Leo said...

Já tinha vindo cá ler, mas da outra vez não apanhei nada por causa da pressa. Desta vez aopanhei o que me ocorreu à imaginação, como sempre. E fiz o meu próprio filme. Se a mamã é real, muitos parabéns. Se não, adorei a história que as tuas belas palavras contaram à minha imaginação.

Elipse said...

Ai, leo, as interpretações que se fazem das palavras... aquilo de a vida vir de dentro para fora era mesmo metáfora!
Mas acontece...

Elipse said...

A mim já me aconteceu duas vezes, já lá vão uns anos...