Saturday, April 29, 2006

Histórias 3.

Contaram-lhe que depois se enrodilhou na noite como um morcego e contornou a estátua, tomando a direcção oposta. Para o lado do caminho possível, disse ele, mas ela sabia do desejo de mudança que lhe atravessava a vida. Por isso não acreditou nas interpretações que eram muitas, múltiplas, resumindo-se tudo a uma acusação de malquerença que tinha de declinar ou ficaria refém desse sentimento de perda. Nada fácil, contudo, essa tarefa.
Contaram-lhe também que na direcção oposta residiam as coisas que sucedem por acaso, mas ela acreditava na solidez das construções e conhecia-lhe a capacidade de erguer das ruínas outras fachadas, mas com desenho prévio. Pelo menos era nisso que pensava enquanto preparava o tear para o cumprimento da tarefa. Precisava, pois de robustez, não fosse a peça afrouxar nos terminais e romper-se por falta de estrutura.
Ainda lhe trouxeram novidades, dia após dia, em tudo semelhantes ao despeito que teceu em pontos deliberadamente mal rematados.
Alimentou-se, pois, de cóleras até esgotar os argumentos e mesmo assim ainda lhe foi difícil aceitar que as mãos só adquirem a perfeição quando se soltam.

10 comments:

wind said...

Muito bom, a ida ao interior, recomeçar para viver a vida, por muito que custe. beijos

mfc said...

Tudo de sólido se constrói em liberdade e pela liberdade.

mixtu said...

bom... é que depois de uns copos, tem que se reler, reler... muito profundo para um simples pastor, mas a wind diz que se tratou ed uma viagemao interior e mfc diz que é sólido... acredito,
Eu acho que há muitas encruzilhadas, mas não há caminhos, há caminhantes....
espero ter entendido, senão quando voltar vou reler
jinhos

Anonymous said...

Até deixarmos de tecer, tecer, arrematar numa tentativa de não se romper, sofre-se mas aprende-se o que mfc diz com muito senso: "Tudo de sólido se constrói em liberdade e pela liberdade". Gastei linhas, agulhas e dedos por ter dado toda a liberdade sem me aperceber que era refém de um tear defeituoso:):)!
Identifiquei-me nas tuas palavras.
Beijocas e adorei

antónio paiva said...

......pois de facto de mão atadas é complicado, mas de espírito atrofiado não o é menos......

Beijo e boa semana

K. said...

A mudança chega quase sempre através de um gesto interior em nós. Ao abrir mão de alguma coisa, esse gesto libertador, satisfazemos o desejo de mudança que tantas vezes nos persegue. Por isso a última frase deste texto não podia estar mais exacta.

Elipse said...

Acabamos por nos rever todos nas palavras uns dos outros: identificação, solidariedade, admiração... e outras muitas coisas. Afinal os seres humanos não são diferentes!
Obrigada.

Elipse said...

Aqui tudo é ficcional, pirata. Até a verdade!

(fui muito retórica?)

Fábula said...

exacto, qdo se soltam e põem mãos à obra é q as mãos são construção e as coisas deixam de acontecer p acaso! =)

ivamarle said...

belíssimo! de uma profundidade e dureza extremas; absolutamente imperdível.