Saturday, January 14, 2006

O prazer do texto


“Se leio com prazer esta frase, esta história ou esta palavra, é porque todas foram escritas no prazer (este prazer não entra em contradição com os lamentos do escritor).
Mas o contrário? O escrever no prazer garantir-me-á – a mim, escritor – o prazer do meu leitor? De modo nenhum. Esse leitor, é necessário que eu o procure (que eu o “engate”), sem saber onde ele está. Cria-se então um espaço de fruição. Não é a “pessoa” do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do fruir: que os dados não estejam lançados, que exista um jogo”.

Roland Barthes, O Prazer do Texto




Não é que preparar a Primavera no Outono seja omitir o prazer do lamento. Esse é de todos os dias e subtraí-lo à escrita é anular o sentido do exercício. O meu. O do leitor é outro bem diverso mas esse deixa de me pertencer no momento exacto em que o texto lhe surge aos olhos. É de interpretações que depois se faz a mensagem. Podendo ser de desagrado, não obstante o prazer do meu fingimento ou da minha verdade, que de um ao outro não vai grande distância.
Sobra, pois, o espaço de fruição. Este.
E o jogo.

14 comments:

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

É engraçado, ontem estive numa "conversa" em que se discutia o prazer do espectador/leitor face ao acto/livro/objecto de arte (não nos centrávamos no criador). Para além da questão financeira, a ausência de códigos de "leitura" teima em afastar o público das "obras". Falávamos de educação para a arte. porque, sem esses códigos, pode assegurar-se a presença do público, mas não o prazer, não a fruição plena, não o jogo. Mas depois alguém disse que Marx (sim, o Karl!) escreveu nos Manuscritos de 48 que "o ouvido de hoje não é igual ao ouvido de ontem". Como se, mesmo sem compreender, os sentidos se pudessem habituar a um certo registo, e o integrassem, e evoluissem assim. E então voltámos à estaca zero. Talvez, afinal, os códigos "um pouco eruditos" a que nos referíamos não sejam obrigatórios para que o jogo aconteça.

Mas como pode então o artista pretender entrar no espaço do espectador? Se a paleta de códigos é tão ampla, se o leque de emoções/reacções é tão vasta?

Pessoalmente, às vezes, como o Lorca (que é como quem diz...), disparato que advogo a escrita egoísta. Assumir a postura do não olho para ti, não te pisco olho. E o público se quiser aderir, que adira! pelo prazer da escrita! Mas depois, como é difícil não antever o jogo, os jogos! Até porque, se não escrevemos para ninguém, de que serve a escrita? Acaba por ser um mero exercício umbiguista.

E assim voltamos ao Barthes, para quem a escrita "é uma função". é a relação entre a criação e a sociedade. a escrita que-não-é-livre, obrigada sempre a significar-se. Na verdade n' O grau zero da escrita", ele perspectiva a escrita numa óptica muito próxima da marxista. Pelo que qqr veleidade de emancipação é ilusória.

Para onde fui, balha-me deus! Mas acho que me apeteceu dizer-te (e dizer-me) o que já sabes. O poeta é um fingidor mas até certo ponto, (chama-lhe inventor de estilo, ou estilos). O leitor interpreta e é grandioso: 1. se constatar que existem várias maneiras de escrever uma língua ou de usar um pincel. 2. que tenha os sentidos mais apurados que os teus, que a sua história de registos seja infinitamente superior à tua.
Nesse jogo, nunca sabes quem está aquém ou além... de ti.

(olha, eu acho que continuava, mas até eu já estou chateada comigo)

Elipse said...

Que pena não teres continuado. Quando nos encontrarmos vamos ter pano para mangas...
...e o leitor não tem que ter os sentidos mais apurados. Ele tem sentidos, simplesmente. Quando lhe dou a ler as palavras que escrevi deixo de ser dono delas.
Mas onde isto ia levar...
Obrigada.

SoNosCredita said...

Para mim, como mera leitora...

... que bom que é, ao ler um texto, um poema, um pensamento... senti-lo como meu!

addiragram said...

Que diferença há entre O que escreve e O que lê? O que consegue aceder à língua da Palavra (fingindo ou não, tanto faz..)pela escrita, pelo olhar, tocará inevitavelmente aquele leitor que procura a Palavra que ainda não houve nascer.Bailam no ar as palavras que nos procuram...

mixtu said...

O texto tem que dar prazer e só se deve escrever quando nisso se tem prazer...
saludos

Anonymous said...

Estaria aqui como peixe na água se soubesse nadar. Acontecendo a insipiência no gesto fico-me pelas considerações gerais.
Como em tudo, há o prazer temerário e nervoso do neófito e a fruição elaborada da experiência. Um tempo como o nosso, em que não há paciência para chegar à madureza das coisas, bebe-se o líquido de um trago e acredita-se que o ardor é a sensação suprema.
Sendo cada indivíduo isso mesmo, recorre à experiência apressada de cada surpresa com medo sempre crescente de não apreciar o melhor da festa e não estar no sítio certo à hora certa em que ocorre aquilo que durante instantes há-de parecer o centro do mundo.
Se tais palavras fazem sentido para descrever a leitura do mundo talvez façam também para ler a descrição do ser. Jogo. É uma boa palavra, para mim menos que entretenimento.
Mas não é o prazer imediato que define as estratégias. Há um olhar para lá da distância, decerto em busca do inexistente, que transcende - e a palavra serve - os objectivos que às vezes parecem. Acredito, e aqui embora amarga não consegui prescindir da fé, que as mãos são demasiado pequenas para segurar com firmeza a diversidade.
Claro que não centro a importância na comunicação. Prefiro, de longe, o ser e a curiosidade. Prefiro o indivíduo à estrutura. As estruturas, que eu saiba, não sentem prazer.

Elipse said...

Prólogo, como se vê passaste para o espaço de fruição o teu prazer.

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

Prólogo, a estrutura é a língua. É a essa estrutura que te referes ou des-compreendi? :))
E isso quer dizer o quê então? Que relegas a forma? que eu jane, tu tarzan é suficiente se perceberes que somos uma mulher e um homem numa situação particular___ por exemplo?

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

pirata, o gordo babosoado é o bolinhas, dito Eduardo Prado Coelho? nhac nhac

e claro que o escritor é narcisista. e depois? quantas formas de escrever inventaram todos os narcisistas do mundo? é isso que interessa.

Anonymous said...

A estrutura que refiro é o grupo, cultural ou outro, que define a semântica e corta as asas à especulação do indivíduo. Mas não estou a fazer apologia do bom selvagem. A minha 'teoria' nasce do horror à dominação - a evidente e a simbólica - que existindo sempre em algum grau, mais não fosse porque o corpo é entidade de necessidades várias, determina para a inteligência uma sujeição às máquinas comparativas globais relegando para enésima posição - desinteressante, portanto - todas as manifestações locais que não estejam em sintonia com o universal. Dito por outras palavras, não necessariamente melhores, a estrutura mais estruturada que conhecemos é a económica e todas as outros lhe estão sujeitas. Na Idade Média a estrutura globalizante era religiosa. Por isso defendo que estamos hoje a definir uma nova Idade Média em que os valores do indivíduo vão ter que descer ao subterrâneo para eventualmente hibernarem à espera dum possível novo Renascimento.

Toze said...

Continuem, estou a gostar de vos ouvir (ler)...

Carlos Azevedo said...

"o texto que escreve tem de me dar a prova de que me deseja. essa prova existe: é a escrita. A escrita é isto: a ciência das fruições da linguagem, o seu kamasutra (desta ciência existe um só tratado: a própria escrita)"

(também retirado do PRAZER do TEXTO de RB)

Na escrita vai o meu "formato" de prazer, digo eu.

jp(JoanaPestana) said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Claudia Sousa Dias said...

E Fruí. E adorei. O jogo das palavras é o meu favorito.

Beijos


CSD