Mas havia também o som de outras vozes. Foi por isso que se rendeu à racionalidade do fim da noite e fez o caminho do regresso.
Ligou o rádio em gesto de procura – a companhia de uma música, talvez, ou de um som que afastasse o incómodo do fim de noite. Fez rodar o carro sobre um eixo incendiado que lhe vinha das entranhas, no escuro e viu-se a percorrer as mesmas ruas.
Era tarde quando chegou. O gato fê-la tropeçar, presença inesperada na confusão de mãos a saber a beijos sob o incêndio das dúvidas.
Sentada, aconchegou o pêlo ao bicho que lhe procurou o colo e teve a noção exacta do momento em que chegaram as memórias. Não gostava destas visitas que vinham de noite e aproveitavam o silêncio para trazer gemidos. Gemidos não, pensava. Era como se das paredes saíssem até os cheiros encostados às palavras; evidências em voo a apoquentar a chegada da manhã. Gemidos não, dizia.
Não era justo que continuasse a dar guarida ao mal. Depois pensou no bem e não soube a quem acolher.
Levantou-se e decidiu que o dia iria começar ali. Disse então que sim, que tinha o direito à ousadia.
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5 months ago
6 comments:
Confesso que li três vezes e ainda assim estou a pensar no que li!!! Parece que fiquei a ouvir vozes do além! :) um beijinho e um bom fim de semana :)
"tinha o direito à ousadia"...seja bem vinda a ousadia sem dar guarida ao mal...gostei muito
Obrigada pela boleia :) Mas não posso mesmo... snif (fica para a próxima)
És uma vencedora do Escritor Famoso. Parabéns!
Beijo grande
maravilhoso este teu diálogo interior.Já tive diálogos assim só k nunca soube falar deles tão bem como o fazes aqui. Vim também dar-te os parabésn pelos DOIS prémios no O Escritor Famoso . Bom f.s Bj de luz e paz
És mesmo uma Escritora! Obrigada, mil vezes obrigada, pelas palavras que deixaste escorregar como quem beija! Estou feliz por ti. Parabéns!
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