Thursday, February 26, 2009

Outono

Foto de Elipse


Foi um desafio lançado aqui. Tinha de partir do texto dado e escrever a réplica.


“O Outono chegou, húmido e frio; os jardins cobriram-se de uma cor de ferrugem, e as florestas negras, direitas como ferro, mancharam-se, aqui e além, de castanho; um vento molhado soprava, empurrando para o rio pequenos ramos cortados. Todas as manhãs, chegavam ao alpendre carros cheios de linho, puxados por cavalos macilentos.”
in Máximo Gorki, A Família Artamonov

Vinham num trotear desengonçado, eles e o mundo todo, queixosos de um cansaço sem sol, que homens e bichos sofrem da mesma privação, uns mais na alma e outros mais no corpo, quando a ferrugem cobre os jardins e o vento sopra molhado e fustiga o caminho que traz o rio às manhãs e as cobre de névoa.
E eu, sentada no alpendre, esperava a nesga de sol que me tirasse da letargia e me trouxesse as memórias. A garota pusera-me o xaile sobre as pernas e a bengala ao alcance da mão. Disse-me para não sair dali, que o chão estava escorregadio e o meu equilíbrio já conhecera melhores dias. Um lagarto entre as frinchas, pensava, enquanto esticava as pernas e olhava os troncos das árvores, direitas como ferro em desafio humilhante à minha curvatura.
Todas as manhãs a cor da ferrugem dos jardins me recordava a impossibilidade da renovação. Porque eu sabia, entre as muitas coisas que eles diziam que eu esquecia e perguntava repetidamente, eu sabia que havia um Outono que chegava húmido e frio e se instalava, teimoso, nos meus ossos deformados, empurrando para o rio pequenos ramos cortados à minha lucidez. E o que ficava era um esqueleto desarticulado, que me fazia repetir a pergunta todos os dias: e ele, a que horas chega?





8 comments:

Claudia Sousa Dias said...

ele...poderá não chegar nunca ou quando menos se espera.

como o amor para carmen.


csd

Espanta Sono said...

O aguardar persistente do regresso das memórias.

Mais um texto magnífico entre tantos outros.

Marta said...

haverás tu
algum dia
não dar continuidade às palavras?

:)

Fatyly said...

Tiro-te o meu chapéu e aplaudo de pé. É apenas o que consigo dizer:)*

Maria Arvore said...

É apaixonante a forma como mostras essa estação da vida que « corta ramos à lucidez». :))))

mfc said...

Inevitavelmente o Outono...
Pesa já o sorriso, mas de vez em quando ainda sorrimos.
E sobretudo queremos continuar a sorrir.
Apesar do Outono.

peciscas said...

Saber encarar o Outono com lucidez realista pode ser uma ciência.
Saber escrever como tu, é-o seguramente.

Madalena said...

Outono :)

...

Um beijinho, estou de volta! :) *