in Máximo Gorki, A Família Artamonov
Vinham num trotear desengonçado, eles e o mundo todo, queixosos de um cansaço sem sol, que homens e bichos sofrem da mesma privação, uns mais na alma e outros mais no corpo, quando a ferrugem cobre os jardins e o vento sopra molhado e fustiga o caminho que traz o rio às manhãs e as cobre de névoa.
E eu, sentada no alpendre, esperava a nesga de sol que me tirasse da letargia e me trouxesse as memórias. A garota pusera-me o xaile sobre as pernas e a bengala ao alcance da mão. Disse-me para não sair dali, que o chão estava escorregadio e o meu equilíbrio já conhecera melhores dias. Um lagarto entre as frinchas, pensava, enquanto esticava as pernas e olhava os troncos das árvores, direitas como ferro em desafio humilhante à minha curvatura.
Todas as manhãs a cor da ferrugem dos jardins me recordava a impossibilidade da renovação. Porque eu sabia, entre as muitas coisas que eles diziam que eu esquecia e perguntava repetidamente, eu sabia que havia um Outono que chegava húmido e frio e se instalava, teimoso, nos meus ossos deformados, empurrando para o rio pequenos ramos cortados à minha lucidez. E o que ficava era um esqueleto desarticulado, que me fazia repetir a pergunta todos os dias: e ele, a que horas chega?
8 comments:
ele...poderá não chegar nunca ou quando menos se espera.
como o amor para carmen.
csd
O aguardar persistente do regresso das memórias.
Mais um texto magnífico entre tantos outros.
haverás tu
algum dia
não dar continuidade às palavras?
:)
Tiro-te o meu chapéu e aplaudo de pé. É apenas o que consigo dizer:)*
É apaixonante a forma como mostras essa estação da vida que « corta ramos à lucidez». :))))
Inevitavelmente o Outono...
Pesa já o sorriso, mas de vez em quando ainda sorrimos.
E sobretudo queremos continuar a sorrir.
Apesar do Outono.
Saber encarar o Outono com lucidez realista pode ser uma ciência.
Saber escrever como tu, é-o seguramente.
Outono :)
...
Um beijinho, estou de volta! :) *
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