Monday, October 27, 2008

Claro/Escuro

Foto de Elipse



Leio no céu o apelo, quase sempre
Indiferente às vozes de quem passa
Basta-me, agora, saber por onde vou.
Entre o preconceito e a asas
Resolvo a dimensão dos dramas
Dando passos certeiros
Ante a perplexidade dos que não ousam.
Dói-me apenas a pequenez dos dias
E a obrigação de colher frutos verdes.








Wednesday, October 22, 2008

A escrita e os símbolos

Escher

O exercício da escrita tem de ser um exercício de prazer. Podemos senti-lo como fonte de maior ou menor sofrimento se nos centramos nos nossos dramas ou nas nossas dores. Mas isso seria demasiada exposição trazida aqui a um lugar visível.
Criamos, então, personagens vivas e falamos por elas. Personagens que não se aclimatam ao normal curso do tempo e declinam com o voar das folhas secas; ou que se atrevem a desafiar a modorra estival gritando sobre a extensão dos mares; ou que se aconchegam, saídas do tempo, em pequenos nadas que transformam em grandezas de encher vaidades.
Neste acto criativo usam-se as palavras em jogos se sentimento e culpa; em distracções de bem-estar e anseio; em exercícios de representação do que não foi mas podia ter sido; em projecções dos nossos desejos ou dos desejos dos outros, já que os adoptamos e adaptamos.
Na Elipse há dois centros, nunca se sabendo qual dos dois corresponde ao que está para além do ficcionar. Ou o que fica aquém e ela converte em linha que se curva, certinha, sobre um e outro foco. Nada se pode colar à fidelidade do que aconteceu. Tudo símbolos.
Aqui o exercício da escrita é prazer puro.





Saturday, October 18, 2008

Enquanto os deuses proibiam o prazer

Blue nude - Picaso


Sei que não me alcanças as palavras
por mais que eu conjugue o verbo, ou diga os ecos das últimas sílabas;
Nem eu te alcanço o pensamento
aprisionado no silêncio dos cigarros fumados no quarto;
Difícil entrar nessa calma acesa e arredondar o espanto.
Difícil amansar os gumes da interdição sem magoar a crença.
Podíamos colocar as palavras sobre a mesa
correndo o risco de as deixar para sempre inacessíveis
Mas fizemos levedar os gestos.
Tocavas-me ao de leve, amedrontado ainda
e os olhos iam serenando na entrega
depois das ondas rebentarem no desenho do teu peito

Tuesday, October 14, 2008

Cantata de Outono

foto de Elipse

Não é por não te ter… é mais pelo castanho-claro das folhas que o vento empurra pelas ruas e pelo calor húmido que o ar carrega entre portas, onde o sossego exagera de tanto ser por fora e a inquietação por dentro.

Não é por não te ter… é mais pela crueldade diária do espelho matinal; pelo pó que se acumula na parte superior dos livros fechados, nas estantes; pela marca dos passos no mármore do chão; pela tinta que se vai gastando de tanto esconder o branco dos cabelos.

Não é por não te ter… que ter-te seria um excesso a todas as horas, não sobrando espaço para o sossego discreto que me aplaude a criação, de vez em quando.

Não é por isso, não. É pelo espaço reproduzido no vazio, pelas horas que o relógio multiplica, pela constância do silêncio a prolongar-se na mesma direcção, pelo sentido obtuso do riso unilateral, pela música sem eco no canto da sala cansada da cor dos móveis, pelo excesso de sossego em vez da festa, pelo desejo mal arrumado no canteiro adiado das sementes, pelos laços desfeitos nos presentes que ficam nas montras, pelas palavras que ditas seriam ouro e escritas ganham um peso inútil.

Não é por isso, não. Ter-te, à distância, seria ter ainda alguma coisa e mais a esperança de não definhar calada.

Friday, October 10, 2008

Culto muito antigo

Da primeira vez louvei-te os olhos
Se te lembrares ainda soa a minha voz surpresa
Ante a frieza aparente do teu rosto;

Mais tarde apreciei-te a divindade
Mas era em mim que morava a tentação;

Em ti nada sobrava; nada se deixava amar
Embora o fogo vivo dos silêncios
Chamasse o verso musicado do poema.




Saturday, October 04, 2008

Intervalo

foto de Elipse

Desinquietou-me o silêncio e a penumbra dos meses frios.

Ocupou-me o pensamento, severamente gasto em coisas inúteis como a tristeza.

Aconchegou-se a mim, ou fui mais eu, saída da sombra, em busca do tempo que ficou atrás das ousadias.

Por momentos fechei a porta ao mundo e deixei adensar-se a névoa dos incensos.

Olhos nos olhos, tínhamos o corpo todo à espera e o fascínio triunfava.