Balança-me a calma contra a natureza teimosa de estar-de-cabelo-ao-vento.
Balançam-me as mãos entre as palavras-brilho-de estrelas-que-enfeitam-a-noite e o palavrear-contínuo-que-paira-amargo-e-purulento sobre as mesas dos dias de festa.
Balança-me a lucidez, entre a justiça apregoada da morte alheia e a condenação-que-ficou-por-decidir porque outros são tão gravemente culpados e morrerão um dia, docemente acompanhados pelos anjos, em clínicas forradas a veludo branco.
Balança-me a sensação de causa perdida entre o-veneno-que-sorvo-para-dentro e o riso tentado nos dentes, sem que eles aprendam a morder outra coisa que não sejam as mãos-a-desenhar-a-arte de ser ao menos feliz uns minutos em cada dia.
Balança-me a visão das chamas que reduzem a cinzas as florestas-rainhas-de-interesses-que-eu-não-atinjo quando o aquecimento violenta o planeta; e depois as águas que chegam na estação oposta e arrastam vidas-que-não-interessam-a-ninguém a não ser à mediatização que valoriza quem-tem-tudo-e-quer-ainda-mais, manipulando-nos os olhos.
Balançam-me os afectos enleados numa memória a fazer-se ao passado num-ritmo-que-os-anos-aceleram, entre as raivas desagravadas e a dor-recriada-a-ponto-cruz.
Balança-me o entendimento, à vista de centros comerciais apinhados de gente que compra-e-compra-e-compra na ânsia de remendar com trapos novos os buracos invisíveis das coisas importantes.
Balançam-me os olhos-pousados-nas-mesmas-paisagens despidas tentando eu cobri-las com voos de conhecimento e satisfação insane.
Balança-me a compreensão da natureza humana, a degradar-se muitas-vezes-na-porta-ao-lado-da-nossa, onde alguém chora sem se fazer ouvir, perante uma loucura que só nos incomoda quando as crianças morrem e se desvendam os porquês.
Vamos vê-los em todos os telejornais e depois na imprensa; lemo-los aqui também, nas escritas privadas onde expomos as nossas vidas reais ou ficcionamos as que queríamos mais reais ainda. E balançamos: verdes ramos à espera de crescer; ou ramos já maduros fragilizando-se na pressa.
Não sei se Jano chora o ano que termina e sorri ao que vem; ou se, pelo contrário, ri do que passou e chora o que está para vir.