Li o texto. O assunto interessava-me e precisava de ocupar as duas horas em que o único aluno presente (faltaram quatro) fazia o seu exame de Francês.
André Comte-Sponville escrevia sobre o Maio de 68: «Mai 68, un souvenir de bonheur».
Depois resolvi o teste de exame e fui percorrendo as minhas memórias, não as do Maio, porque o não vivi (estaria na escola primária e era cedo para ouvir os ecos, se eles tivessem chegado) mas a de uma revolução, a de Abril, em que eu própria, muito jovem ainda, me vi de bandeira no ar, dentro da multidão, num ambiente caloroso e promissor. Sonhava. Eu e os da minha idade.
«Mais il y avait de la misère. Mais il y avait des bourgeois arrogants et des ouvriers harassés», diz Sponville na sua recordação, interrogando-se «comment un rêve prendait-il le pouvoir ?»
Enquanto o aluno resolvia as questões de escolha múltipla e contava as palavras que resumiam o outro texto, sobre o baby-boom dos anos 40, questionei-me também: onde estão agora os sonhos?
Olhei para ele. Foi meu aluno há oito anos, talvez menos, e estava ainda com o Francês por fazer para conseguir terminar o Secundário. Nessa altura já eu começava a queixar-me da indisciplina provocatória, ele próprio era rebelde, mas agora… “eles hoje são piores, não são stora?”
Certamente têm sonhos – terminar o Secundário, arranjar emprego, Universidade para alguns, uns por convicção, outros porque os colegas também vão, outros para adiarem o momento do desemprego, ainda que sem essa consciência expressa.
«Cours, Camarade, le vieux monde est derrière toi!», era o slogan pintado a letras grossas numa parede, lembra Sponville no texto do exame do Rui.
E agora ? Que pensará o Rui, ali às voltas com o dicionário, procurando a positiva que o ano passado não conseguiu ter? Sonha com o seu futuro? Com os desejos das pessoas da sua geração?
Sonhará que é possível mudar a sociedade? Melhorar o Mundo?
Porque converso com eles diariamente, tenho a noção de que não é isso que os preocupa.
Sim, alguns falam de Israel e do Líbano, mas não creio que a palavra Hezzbolah lhes diga alguma coisa. Raros são os que vêem ou ouvem notícias e não sei quem, de entre eles, compra um jornal. A Bola, talvez, ou um equivalente. À noite entregam-se aos Morangos com açúcar e sonham fazer um casting para aparecerem na TV e terem sucesso.
Sonhos? Cada vez mais os de CADA UM. Os dos outros são DELES e ELES estão todos muito longe. Salve-se quem puder!
Tão longe que estás Maio de 68!
André Comte-Sponville escrevia sobre o Maio de 68: «Mai 68, un souvenir de bonheur».
Depois resolvi o teste de exame e fui percorrendo as minhas memórias, não as do Maio, porque o não vivi (estaria na escola primária e era cedo para ouvir os ecos, se eles tivessem chegado) mas a de uma revolução, a de Abril, em que eu própria, muito jovem ainda, me vi de bandeira no ar, dentro da multidão, num ambiente caloroso e promissor. Sonhava. Eu e os da minha idade.
«Mais il y avait de la misère. Mais il y avait des bourgeois arrogants et des ouvriers harassés», diz Sponville na sua recordação, interrogando-se «comment un rêve prendait-il le pouvoir ?»
Enquanto o aluno resolvia as questões de escolha múltipla e contava as palavras que resumiam o outro texto, sobre o baby-boom dos anos 40, questionei-me também: onde estão agora os sonhos?
Olhei para ele. Foi meu aluno há oito anos, talvez menos, e estava ainda com o Francês por fazer para conseguir terminar o Secundário. Nessa altura já eu começava a queixar-me da indisciplina provocatória, ele próprio era rebelde, mas agora… “eles hoje são piores, não são stora?”
Certamente têm sonhos – terminar o Secundário, arranjar emprego, Universidade para alguns, uns por convicção, outros porque os colegas também vão, outros para adiarem o momento do desemprego, ainda que sem essa consciência expressa.
«Cours, Camarade, le vieux monde est derrière toi!», era o slogan pintado a letras grossas numa parede, lembra Sponville no texto do exame do Rui.
E agora ? Que pensará o Rui, ali às voltas com o dicionário, procurando a positiva que o ano passado não conseguiu ter? Sonha com o seu futuro? Com os desejos das pessoas da sua geração?
Sonhará que é possível mudar a sociedade? Melhorar o Mundo?
Porque converso com eles diariamente, tenho a noção de que não é isso que os preocupa.
Sim, alguns falam de Israel e do Líbano, mas não creio que a palavra Hezzbolah lhes diga alguma coisa. Raros são os que vêem ou ouvem notícias e não sei quem, de entre eles, compra um jornal. A Bola, talvez, ou um equivalente. À noite entregam-se aos Morangos com açúcar e sonham fazer um casting para aparecerem na TV e terem sucesso.
Sonhos? Cada vez mais os de CADA UM. Os dos outros são DELES e ELES estão todos muito longe. Salve-se quem puder!
Tão longe que estás Maio de 68!