Friday, June 30, 2006

Razões dialogadas

Se te pedi uma razão é porque quero subir a escada sem o terror da queda, nadar em águas que não sejam fossos cercadios, correr de pé e depressa até me pôr a salvo, deixar soltar o grito com som audível.

Por isso também me pões à prova.

Se te pedi uma razão é porque não me apetece que ouças as palavras que não digo ou as que brotam da forma elíptica do meu dizer e que eu não sei aguçar sem sair ferida ou as que me forças a dizer colocando a grade onde o caule se enrola tenro.

Fere-me. Já te ouvi falar de esgrima.

Por mais razões que me dês hás-de saber que eu não ajoelho diante dos altares por não ser capaz do gesto.

Estes deuses são só meus. Estás protegida.

Não. Estou despida.

Thursday, June 29, 2006

Diálogo emprestado à razão


Dá-me uma razão para continuar a contar os passos sobre a espuma das ondas em vinte minutos de reflexões antecipadas enquanto aguardo o momento de te olhar de frente para uma conversa de palavras escolhidas.

Não sei a razão por que vieste…

Dá-me uma razão para me manteres refém do verbo no pretérito imperfeito ignorando o meu desconforto ou estimulando-o ante a perspectiva da revelação que pode não ser surpresa.

Não tranquei a porta, foi tudo uma coincidência.

Dá-me uma razão para a descrença, nem que tenhas de me analisar os genes para descobrir neles a raiz das minhas construções sem alicerces ou das escadas de onde me sinto cair lentamente quando tento subir.

Não te fiz crescer nem posso sem que tu queiras. Mas não fiques aí em baixo. Sobe.




Sunday, June 25, 2006

Começa a falar-se daquilo que me preocupa, a mim e a outros profissionais do ensino, há muito tempo

Não são as minhas palavras e ainda bem, para que não se pense que defendo irracionalmente a classe.
Também sou Encarregada de Educação, para além de ser professora. Estou, pois, dos dois lados.

(...) Porque entre nós, em Portugal, se verifica a maior das confusões neste domínio, presumindo-se, erradamente, que o aumento do número de anos de escolaridade acarreta, necessariamente, uma melhor preparação dos alunos, o que é estatisticamente falso porque um aluno "aprovado", em 1955, no exame da quarta classe, tinha grande probabilidade de saber: ler, compreender o que tinha lido, escrever sem erros de ortografia, contar, executar as quatro operações aritméticas básicas quer com inteiros, quer com quebrados, resolver problemas, de alguma complexidade, envolvendo o uso dessas mesmas operações e também das diversas unidades de medida de comprimento, área, volume, peso, tempo e ângulo, e, ainda, de saber uma série de coisas, úteis ou inúteis, sobre Geografia e História. Um aluno "transitado", em 2005, do nono para o décimo ano de escolaridade tinha grande probabilidade de não possuir nenhuma destas competências. (...).
Público, 23 de Junho de 2006, Avaliação de docentes, discentes e parentes, por Álvaro Pereira Athayde


(...) Anos e anos - décadas ! - de pedagogia romântica, assente no pressuposto de que as crianças são vítimas inocentes de uma sociedade repressiva e de que albergam na pureza dos seus espíritos imaculados tesouros de intuição e até de sabedoria ainda não contaminada pelo cinismo do mundo, mergulharam a escola numa anarquia. As pedagogias libertárias de finais da década de 60 - "é proibido proibir" - pegaram de estaca num país dominado por uma cultura cívica e política esquerdista, que prega a irresponsabilidade individual e só aponta o dedo à responsabilidade social. Ao longo dos anos e das décadas, o Ministério da Educação encarregou-se de esvaziar as escolas e os professores das suas competências disciplinares, na crença idiota de que os meninos e as meninas se poderiam corrigir com doçura, através de bons conselhos e benignas acções de recuperação. As punições foram praticamente abolidas. Alunos com 20 e mais participações disciplinares não são expulsos. Quando se abrem inquéritos, os alunos são ouvidos em pé de igualdade com os professores; ao cabo de vários meses redundam, na melhor das hipóteses, numa suspensão - que não conta para as faltas dadas: os prevaricadores são presenteados com alguns dias ou uma semana de férias. Em suma, a indisciplina na escola tem medrado a coberto da mais completa impunidade.(...)
Público, 23 de Junho de 2006, Vamos aumentar o descalabro?, por Maria de Fátima Bonifácio


A avaliação é imperativa. Avaliação dos professores, da escola, do sistema. Mas o projecto de avaliação dos professores implicando os pais seria a medida mais insensata de que alguém se poderia lembrar se não fosse, como é, um expediente demagógico para desviar a atenção do país da questão central da educação – a ideologia igualitarista e, ramos da mesma genealogia, as teorias pedagógicas delirantes impostas totalitariamente que transformaram a escola numa escola do faz de conta. Seria mais uma acha na fogueira da desvalorização do ensino, do descrédito e da humilhação dos professores, ferindo também aqueles que fazendo o impossível em condições tão adversas continual a salvar muitos alunos (...).
É claro que os professores têm responsabilidade na tragédia dos resultados, mas não são uma ilha.(...)
Repito: sem varrer o eduquês, sem varrer os especialistas sem emenda do ministério, não haverá sucesso educativo.
Público de 25 de Junho de 2006, O Inimigo Externo, por Guilherme Valente

Monday, June 19, 2006

Hoje foi dia de exame de Português


Onde está o sentido?
O mais directo, escondido nas estrofes de Pessoa.
Também eles são meninos da sua mãe e estão ali no cumprimento de um dever. Malhas que o Império tece?
É de malha o texto que articulam na folha da prova para se desenvencilharem das malhas da vida. As primeiras. Malhas grossas, digo eu que resolvo a prova já fora da teia, mas suspensa noutras, mais finas porque são as minhas.
Há sempre Impérios sobre a nossa razão mas nunca da mesma maneira; mas eles, que estão no meio de uma história, olham as estrofes e procuram-lhes o sentido; escrevem sobre a guerra em palavras sucintas, contando-as, uma a uma, para não excederem as normas, que as guerras não se querem longas nem detalhadas. E enfrentam a guerra pelo sucesso que tentam nas estrofes de Pessoa ou na virtude de Gomes Freire de Andrade, exemplo que se quer comparativo, por ser combativo.
Sabem de lutas? Sim, as da História, vagamente. Ler o passado ainda faz pouco sentido. É no futuro que o procuram, os meninos das suas mães, e agora, aqui, nas estrofes do poeta.

Saturday, June 17, 2006

É menina!

Liga-nos um fio para sempre, ainda que ele seja cortado num momento de mistura de demasiadas sensações para se ter a verdadeira percepção do facto.
Depois disso, a novidade inteira. Em mim, a estranheza da palavra, pronunciada pela primeira vez com rosto à vista, dentro de uma roupa cor-de-rosa e tão pequena que assustava. E alegrava.
Nela a dimensão do desafio desde o primeiro minuto.


Faz hoje vinte e três anos mas foi há tão pouco tempo!

Visita a uma mãe muito bonita


Ela só pode ser uma mulher muito bonita porque a luta que trava é a de uma mãe que não desiste.
Visitá-la faz todo o sentido.

Em busca de formas perfeitas


Foram as voltas que me fizeram fugir do lugar das fugas, sem que elas tenham um lugar ou um destino porque se foge sempre para um lugar de onde se foge a seguir para outro que também não é de permanência.
Voltei, pois, ao lugar onde uma estranha divindade me fala de envolvimento, não sei ainda se disposta a dar-me, se disposta a perceber por que nunca me dou. Não procuro, contudo, os ecos divinos pois nem latentes os trago às madrugadas ou às promessas de manhãs frescas.
Se houver ecos para ouvir serão os dos meus gritos, mesmo que o bem-estar seja esmagado na procura de uma sequência que explique as coisas inatingíveis. Deixarei de ser elíptica neste exercício que mais se assemelha ao curso de uma espiral de entendimento.
Pode haver lugares de esconderijo com vista à revelação? Parece que é simples, afinal: esconder joga com mostrar e mostrar encaixa bem na exibição acidulada dos lugares da dor.
Depois deixarei de falar de mim.

E não peço que comentem as palavras volteadas que tenho necessitado de escrever à volta das minhas construções narrativas ou em vez delas. Aqui, neste espaço narcísico de exposição pública, tenho sido deliberadamente cifrada como se quisesse dizer-vos que as vidas, ainda que publicadas, não deixam de ser privadas.
E nunca se esqueça que tudo isto são exercícios formais, já que o que procuro para mim é a forma perfeita.

Thursday, June 15, 2006

palavras elípticas

Também gosto de andar às voltas com o começo das coisas sendo que o fecho delas se me avizinha sempre perto, muito perto, sem que eu o possa ou queira adiar.
Começo todos os dias uma história mas nem sempre quero ou desejo dar-lhe a continuidade que podia levá-la ao final feliz. Continuidade lembra que é preciso voltar aos lugares do passado, mas é daí que chegam os ecos do desconforto.

E era preciso, sim. A omissão dos ecos gera coisas descontínuas mas a recusa em ouvi-los é visceral; o confronto com as palavras pronunciadas esmaga o bem estar e faz estremecer a estrutura vertebral da sequência.

Gostava – penso que gostava – de ter uma história para contar que fosse uma história verdadeira, tanto quanto a verdade pode ser alcançável (ou fiável?); mas para isso teria de a contar a várias vozes e o exercício é duro para duas mãos apenas. O labor das mãos não vence o ardil das vozes, não lhes desvela o assombro, não as aceita na desconstrução dos enredos. Sobra, pois, a circularidade elíptica oculta no esconderijo da dissimulação e na discrição dos gestos.

Estou cansada de começos; e de arredondar as linhas rectas ao sabor dos crepúsculos, aguardando as madrugadas para inverter o curso linear das construções.

Friday, June 09, 2006

ensaiando (des)harmonias


Preferia o som de uma harpa

Mas ainda cato o vento
Na distância que vai, medida em graus,
Da minha porta ao lugar
Dos ângulos agudos.

E solto o vento
Sem a brandura dos pretéritos perfeitos.

Tuesday, June 06, 2006

Os tumores





Ele costuma aconselhar a leitura de algumas pérolas mas hoje é ele que é a pérola, com um magnífico texto que nos leva aos tumores mais abjectos que a humanidade conhece.

Friday, June 02, 2006

Ensaiando fugas

Fico assim encostada ao incómodo enquanto a farpa aponta o lugar onde se têm ensaiado as explicações. Sem elas não encontro a garantia da roupa adequada. Visto uns trapos, disfarço a nudez, não a resolvo.E continuo sem saber em que momento vou sentir a frieza do gume, enquanto outra frieza, a da sombra, me enlaça num nó quase cego.
Fico assim encostada à cegueira e impeço-me de captar o momento em que deixei o corpo ceder ao fio e me embalei no aperto. É um longe muito longe este de que falo. Mas os trapos estão soltos, deixando a descoberto um lugar inacessível.
Fujo?
De quê? De quem? Do fio? Do nó? Da farpa?

Fico encostada ao espaldar impaciente de um assento à sombra. Tédio ou esforço, não sei de entrega mais esgrimida. E continuo sem explicação. E sem saber se a quero.
Corro a cortina ou fujo?
De quê? De quem?

De mim…