Wednesday, November 30, 2005

Re-viver

Estava descalça no areal vestida ainda de espanto; quebrado o búzio as mãos estavam vazias e eu deixei soltar o grito sob os açoites do vento. Baixei então os olhos e a lágrima prendeu-se ao choro calado, envergonhada.
Sob os meus pés, as ondas murmuravam que não, que não, que não tens culpa e o sol continuava quieto no seu espaço absoluto.

Amanhã todas as coisas estariam ali, mesmo que eu não voltasse.
Ergui os olhos, ergui os braços, silenciei o queixume e avancei, serena.
Atrás deixava as águas e os meus pés trilhavam o caminho certo.



Foi assim que respondi à Diva, em mensagem de alegria à vista, mais uma vez, mas agora já sem rimas, que a prosa também é poética.

Depois veio a bastet, límpida nas suas frases lindas, e disse que eu tenho razão.

Tomei a areia nos braços,
e o mar sentia-o no ventre,
sorvendo as lágrimas de sal
com as ondas do meu desalento.
Traguei a vida num sopro,
até à banalidade da morte,
fiz de pouco a minha sorte
e do amor amuleto...
Despi-me de roupas e credos,
vesti-me do verso, de errado,
não fosse o destino ofertar-me
o teu corpo por presente...
Que mais fiz que não faria?
Que vagas rebentaram cá dentro,
quando nua me vi deitada
ardendo de fogo e tremendo...
Troquei seixos por promessas,
rezei, chorei e pedi
que a espuma da maré vaza
te trouxesse de novo até mim.
Cinji a cintura de algas,
cobri o rosto de véus
quando na praia te vi as pegadas
e te senti os braços nos meus...
Das febres, das seivas, dos gestos
dos risos, gemidos, odores,
calou a noite o segredo
guardou o mar os sabores...

Monday, November 28, 2005

Desgarrada


Tudo começou quando a Addiragram, no Aguarelas de Turner, ofereceu esta gravura ao poeta desconhecido que há em cada um de nós, a propósito do Escritor Famoso.



1. Primeiro foi ela :


I
Em dias assim envolvida neste choro do tempo
ouso sair
Que são tantas as lágrimas que as minhas se perdem

II
que ramos quebrados são esses
que força usámos para nos perdermos

Chicotes de vento
Chicotes de tempo

III
atravessa o vidro, trespassa a árvore
desventra a nuvem e a neblina
percorre a casa que é um fantasma
e o meu olhar não encontra nada.


2. Depois eu...

I
Em dias assim
Seco as lágrimas nos cantos da boca

E risco a face de arco-íris sem vento;

II
Depois trago para dentro o olhar,
Ponho ramos secos no centro das mágoas
E neles prendo flores viçosas;

III
Ganho o dia,
Ganho tempo;
Amaino o bater dos chicotes nas memórias
E sento-me na calma das palavras.


3. E ela aceitou a desgarrada, dizendo que ía continuar no registo à "Madalena":

Em dias assim
o vento rasga os arco-íris

que nascem nos meus olhos

Mas se acaso algum escapa
e desce à foz que são meus lábios
sinto que o tempo o congela
e nem a mão o afaga

e não há mão que me afague
nem manto que me dê asas
nem fogueira que me aqueça
até que esta mágoa passe

Arcos-lágrima que perduram
por sobre sóis e palavras
espelham tua íris negra
despojada de ternura.

4. E eu, de novo...

E não há mão que me afague
Sem conhecer os meus beijos
Nem afago que resista
Ao arco-iris que ponho
No braseiro dos desejos;
Nem manto que me dê asas
Porque cavalgo com o vento

Porque aproveito os despojos
E não deixo o pensamento
Rasgar a luz dos meus olhos;
Não há mal que me destrua
Nem fogueira que me queime
Quando amanheço na foz
Porque o tempo é meu amigo
E traz-me sempre no vento
Luas novas, sóis diferentes
Iluminando-me a Vida
Até que esta mágoa passe.


5. E pois, agora eu, disse ela de novo:

em dias assim
olho os girassóis na tela
meus olhos que seguem os teus
olhos que levam os meus pela trela

em dias assim
abafo as fogueiras
minhas mãos que querem apenas arder nas tuas
mãos que se fecham n' algibeira

em dias assim
escondo-me neste manto
meu corpo marcado pelo espanto do teu
corpo animal de puro sangue


espasmos, danças, achas, cheias
que em dias assim
rodopiam nos meus olhos como areia.


6. E eu tinha de responder...

Em dias assim
Ponho girassóis nos olhos
E sopro, no som dos búzios,
O apelo do meu corpo;

Sigo depois em dança
Tacteando a neblina;

Em dias assim
Fecho a noite à beira das marés
E componho a minha dança
Na caligrafia das ondas;

Solto os sentidos
Rasgo-te a pele
Soltam-se os gritos
...
Sente-se a calma;

Nesse instante acordo o espanto
E sento-me, descalça, no areal.


7. E a desgarrada parece ter-se transformado em maratona, disse a Diva:

Descalça no areal
parei para sentir a noite
esse instante em que o vento é mais nu

o teu corpo fica frio de vento
os odores caiem c'os açoites do ar
esse instante em que a palavra é mais crua

os olhos erguem-se para a palavra o céu desce até nós
tocam-me as luzes que tremem

e nesse instante quebras um búzio
e suspiras adeus.

8. Depois veio a maria e meteu-se aqui no meio...

descalça no areal
parei para sentir a noite,
grávida de sonhos
que a mão da consciência
sente pontapear

naquele instante
em que suspiraste adeus
vi que na ampulheta dos teus beijos
se media o meu tempo

e levito no vácuo da espera
ansiando que um búzio qualquer
te sussurre “vem”na minha voz de mar.


Friday, November 25, 2005

Um quarto nas águas-furtadas

Vou contar-te como a mulher dele me disse para ir embora, que a casinha era pequena e eu estava a dar despesa. Levei apenas um saco na mão e pedi à madame para me arranjar um quartinho nas águas furtadas do restaurante, onde havia um colchão e pouco mais, já não me lembro do que havia, mas sei que o partilhava com a enteada da patroa, atendíamos ambas à mesa, no rés-do-chão e ela um dia foi apanhada a comer sopa às escondidas. Nesse dia, a madame trouxe a panela da sopa para o quarto e, ali à minha frente, falando na soupe, que eu não percebia mais do que isso, obrigou a moça a comer tudo, tudo, que nem as lágrimas serviram para nada, as dela e as minhas, abraçadas depois na desgraça de um quartinho numas águas furtadas, acordando na manhã seguinte para mais um dia de trabalho.
Mas não morri, não, que uma mulher arranja sempre forças e eu tinha de cumprir a minha pena. Não podia andar sempre no coiffeur a entufar o cabelo, mas dava um jeito às minhas farripas escassas e aparecia sempre com bom aspecto aos clientes, mademoiselle, comment ça va?, e eu a aprender palavras novas e a rir-me para todos, chamando a mim a alegria de viver de novo ou enganando-me com ela, já não sei dizer-te.
Hoje, à distância do tempo, penso que os dias passavam e eu seguia com eles, mas não consigo dizer se me movia a petite bourse onde juntava os francos, um a um, a imagem do meu filho a entrar no carro do pai e a encarar-me como se eu fosse um fantasma pálido, ou o brilho dos meus olhos grandes, muito pretos, cujo contorno eu continuava a acentuar com o eyeliner, que se dizia crayon e atraía os homens que vinham comer au restaurant.
La portugaise, diziam os clientes. Era o que eles diziam e gostavam que fosse eu a atendê-los, sorridente, embora à noite, no quartinho acanhado das águas furtadas, não tivesse já lágrimas para chorar aquela qualquer coisa tão vazia, tão vazia, que eu não sabia se eram saudades ou se era a morte a chamar por mim. E continuava a sorrir, para as afastar a ambas.

As memórias

Lembro-me de ti quando trepavas a laranjeira, no quintal da casa da avó, para alcançar, lá do alto, a aproximação dos inimigos que irias derrubar com a tua espingarda de madeira “pum”, “pum”. Sem vinganças, sem maldades, apenas traquinices de uma infância feliz, espraiadas ali no quintal, como se fosse numa selva ou numa floresta, porque no apartamento o espaço não chegava para a imaginação, penso eu agora, depois de ter tido filhos e de ter percebido que os espaços fechados das casas empilhadas umas sobre as outras os impede de verem as estrelas à noite, tanta luz à volta dentro das cidades e armas de guerra nos cestos de brinquedos, de todas as formas e feitios, com luzes e sons, sem ser preciso fazer “pum”, “pum”.
Os anos passavam e eu perguntava-me, sempre que colhia as laranjas ou as apanhava do chão, grandes, maduras, vivas, onde estarias e como seria a tua vida. Via ainda a espingarda de madeira nas tuas mãos brincalhonas, mas já procurava o teu nome nas listas dos alunos que frequentavam a minha escola, sabendo que os anos nos teriam mudado as feições de miúdos e que não seria possível reconhecermo-nos se nos cruzássemos na rua. As turmas eram só femininas ou só masculinas lembras-te?, mas naquele dia em que o senhor ministro visitou a escola e nos enfileiraram no corredor, de bandeirinha na mão, menina ao lado de menino e menino ao lado de menina, a comitiva toda a passar e nós compenetrados na nossa missão de infantes da Pátria, quase como os militares que desfilavam antes de embarcarem rumo às Áfricas, como a televisão mostrava, fazendo chorar a minha mãe, naquele dia eu procurei-te com os olhos, pensando sempre que podia ser possível descobrir-te. E dar-te as ler as cartas vindas de França.

Wednesday, November 23, 2005

Pensamento a cores


Visto-me de azul, pinto-me de céu e os olhos nesses dias são caleidoscópios.
Abençoado mundo colorido, quase divino o pensamento, ou submisso.
Rente à folhagem pousam pássaros e ouço-lhes os cantos se me visto de verde. Soltando-se da cobertura acastanhada a erva rompe e eu piso-a cautelosamente, emoção em tons de esperança.
Se é cinza o tempo morre, a música do orvalho adormece e o silêncio já não cabe nos olhos. Havendo dias de negro, cantos dos lábios a tocar o chão, olhar baço sobre a viuvez das horas.
Prefiro as rosas, aromas de jardins a encher a alma, matizes suaves e os olhos cheios de prazer.
Se digo vermelho os olhos fecham-se, flamejam para dentro e o corpo estremece. Vermelho vivo, desejo. As horas podem ser lentas no desbotado das ausências; podendo haver um pôr-do-sol cor de fogo quando é verão.

Monday, November 21, 2005

Leda

Leda


Agradou-lhe a silhueta longa, oferecida
Por isso vestiu-se de penas
E desceu sobre o corpo perfumado da rainha;
Despida, ela tinha apenas o aroma de um corpo de mulher
E ele, alado,
Pousou-lhe no peito um beijo divino.

Abrindo os braços ao calor das asas
Ela sentiu-lhe o debicar macio
Sobre os mamilos;
Foi quando lhe estendeu a mão fechada
E o desejo se cruzou nos gestos.

Sunday, November 20, 2005

O encontro

Brincávamos com as palavras e víamos a mão destra por detrás de cada uma delas. Da mão ao rosto ia apenas uma sílaba.
Depois pedimos às fadas que desvendassem os esconderijos e olhámo-nos nos olhos.
Foi o momento em que a magia se revelou inteira.

Friday, November 18, 2005

(2). Vozes e Silêncios

Mas havia também o som de outras vozes. Foi por isso que se rendeu à racionalidade do fim da noite e fez o caminho do regresso.
Ligou o rádio em gesto de procura – a companhia de uma música, talvez, ou de um som que afastasse o incómodo do fim de noite. Fez rodar o carro sobre um eixo incendiado que lhe vinha das entranhas, no escuro e viu-se a percorrer as mesmas ruas.
Era tarde quando chegou. O gato fê-la tropeçar, presença inesperada na confusão de mãos a saber a beijos sob o incêndio das dúvidas.
Sentada, aconchegou o pêlo ao bicho que lhe procurou o colo e teve a noção exacta do momento em que chegaram as memórias. Não gostava destas visitas que vinham de noite e aproveitavam o silêncio para trazer gemidos. Gemidos não, pensava. Era como se das paredes saíssem até os cheiros encostados às palavras; evidências em voo a apoquentar a chegada da manhã. Gemidos não, dizia.
Não era justo que continuasse a dar guarida ao mal. Depois pensou no bem e não soube a quem acolher.
Levantou-se e decidiu que o dia iria começar ali. Disse então que sim, que tinha o direito à ousadia.

Thursday, November 17, 2005

Precipícios

Sufoco-me de instantes; esperança feita de dias acabados.
Os amanhãs ficaram em linha e eu suspensa, lançando o olhar em projecto.
Os bicos dos pés saltitam sobre a garganta forrada a verde-musgo.
Alcançarei as nuvens?

Texto para o Escrita Solta.

Wednesday, November 16, 2005

Vem aí Poesia



I
Deixo, em cima da mesa, um caderno em branco onde possas guardar,
Sempre que queiras, coisas da ordem do incomunicável ao próximo.
Depois da morte, voltaremos ambos a estas páginas
E procuraremos renascer no apagar das palavras.


II
O prédio está em silêncio, no seu repouso
Erigido à beira da estrada.
Sou capaz de imaginar alguma brisa,
Folhas de arbustos a correr assustadas.
No quarto ao lado, tu, adormecida e ausente,
Em sonhos. Levanto-me e apalpo
O trajecto reconhecido, a luz apagada.

(...)

VIII
Olho o poema, não me entendo na decisão do seu início.
Talvez o poema não comece exactamente na primeira palavra.
Talvez devêssemos virar tudo isto ao contrário.


IX
Deixo, em cima da mesa, um caderno em branco,
O meu recado. Vais fingir que eu nunca existi
E eu não vou voltar a procurar como dizer
Coisas que me doem. Depois da morte,
Talvez.

Luís Filipe Cristóvão



E se fôssemos todos a Torres Vedras, no dia 26 de Novembro à Livraria Livrododia, para cumprimentar o poeta?

Tuesday, November 15, 2005

"fingere".blogspot.com

Gostava de equacionar a palavra Verdade numa fórmula perfeita, inalterável, mestra.
Para isso teria de entrar no mundo dos números, mundo racional, mundo de realidades apinhadas de vértices e arestas laminares ligadas seguramente por uma coerência interna que me escapa ao entendimento.
Tenho, então, de entrar no mundo das palavras e ficcionar com elas (ficção = fingere = fazer) uma construção que arrume e organize a relação com o real.
Tudo em linha para que delas não se escape o entendimento. Depois tenho de usar harmonia e ritmo para estabelecer a ligação dos ingredientes. Receita antiga. Construção.

Monday, November 14, 2005

(1). Sinais e Vozes

Ele acolheu-a com os olhos à chegada. Curiosidade mútua de se saber que palavras vinham a seguir. Ou que demonstração de que desejos.
O sol já se tinha escondido, já nem se podia sentir a magia daquela linha ténue sobre o espelhado do mar, uma linha apenas que separa o real do irreal, pensava ela, com ilhas ao longe e sonhos de partidas. Contudo havia a magia da noite, momento em que tudo fica mais obscuro.
Frente a frente, entre o gelo das bebidas e o calor dos cigarros acesos, chamas a incendiar os olhos, ele falou de amores perdidos, pobres, gastos.
Ela escutou. Sentia-se a questionar o estar ali mas o desafio estava lançado ou esteve lançado quase desde o início, em ambiguidades mal resolvidas e numa resistência que pode ter sido a responsável pelo desencadear das emoções.
Lado a lado, saltitando ao sabor das suspensões do carro, o caminho fez-se estrada e as mãos soltaram-se. Que desejo? Que laço de entendimento? Que atracção? Provavelmente a da ambiguidade e apenas essa.
Talvez pudessem ter adiado tudo, adiar é uma boa solução porque a seguir vem sempre a inscrição da racionalidade no desejo, sobretudo se passam umas horas ou uns dias sobre a precipitação de uma emoção ou apenas de uma busca, pensava ela. Vale sempre a pena adiar e fazer as contas às perdas e aos ganhos.
Depois, ainda que não fosse isso o adiamento, ele aconchegou-lhe os lábios, enquanto ela fingia que não esperava a ternura do gesto. Foi quando se deu conta de estar a imaginar que a transparência dos sinais era visível, ou que podia preencher os vazios do momento com o arrebatamento das emoções, ou que tinha o direito à ousadia. Havia música na voz e música nas mãos, era o que ela sentia.
Mas havia também silêncios ou o som de outras vozes. Foi por isso que se rendeu à racionalidade do fim da noite e retomou o caminho do regresso.

Friday, November 11, 2005

Minha... e depois longe

Trazia-te dentro de mim com a novidade da primeira vez e o furor da intenção cumprida. Era o projecto a ganhar a sua velocidade e o desejo da realização a trepar uma das encostas. Projecto de amor. Sublime como todos os projectos que brotam do centro do nosso dentro.
Trazia-te dentro de mim e era muito jovem. Tão jovem que hoje pronuncio ainda desajeitadamente os dizeres do amor que não sei se fui capaz de te colar à pele.
Trazia-te transportada, menina minha, corpo dentro do meu corpo, ave ainda aninhada e eu sem asas, rasando a entrega e cumprindo-a sem condições.
Trazia-te para te deixar, depois, largada em voo mas com fios tecidos de atenção nos olhos, para lhe proteger das penas.
Trazia-te para te dar ao mundo, sem penas de penar, sem pesos, sem precipícios. Só queria olhar, atenta e sorrir ao teu voo feliz.
Trazia-te sem poder saber que um dia as nossas crias saem de nós para muito longe. Longe na distância que vai do coração às palavras. Crescer dói muito.

Wednesday, November 09, 2005

Variações no Verão

Foto de MRF

Éramos vizinhos do vento e as aves vinham em visita enquanto conversávamos sob a visão do céu. Andorinhas vestidas de viúva vinham espreitar-nos por detrás das folhas e o verde do meu vestido, aconchegado nos trevos, desafiava-lhes a vontade.
Os teus olhos sorviam os raios de sol chamando-lhes vida. E eu ouvia versos voando da tua boca. Chamavas-me Diva.

Monday, November 07, 2005

Não me quero prisioneira


Soltei do corpo todas as palavras e fiquei despida.
Tenho frio.
Não me aquece esse amor feito de camadas de óleo sobre a madeira
Antes perdida.
Doem-me as mãos de tanto segurar em mim.
Aprisionaste-me na moldura mas estou partida.
Mesmo que traces contornos em contra-luz
E o teu engenho me cole ao espelho,
Já não tens tempo
Fiquei sem vida.
Não me contemples. Já não me tens
Para que te sirvo desconstruída? Ou prisioneira?
Baixei os olhos ao teu desejo,
Deixei de ser para te agradar
Mas não sabia dessa magia que tu usaste
Para me pintar desta maneira.
Fechei os olhos, não quero ver-te,
Nem quero a sombra que desenhaste não sendo eu
Cobre-me o corpo, não me desdobres,
Vê se me encobres que tenho frio.
Para quê esconder-me, disseste tu?
Não me importava de me mostrar
Mas este estado de desvendada, quase esventrada, retrato nu,
É expor a alma, aprisioná-la.

Não peças mais para me rir
Estou cansada de me segurar, quero ir dormir.
Dei-te o meu corpo como quem dá tudo o que tem e aqui fiquei.
Sou o teu sonho e o teu desejo
A tua obra já acabada..
Solta-me agora que tenho frio
Quero ir dormir.
Já estou cansada.

Sunday, November 06, 2005

Aprisionar Palavras

Falámos de métrica. Em conversa solta.

Depois escreveram-me um poema.

Deixei aqui palavras prisioneiras enquanto solto as outras numa tela de Magritte...



POESIA ...

Pintura que se traduz
Em melódicas toadas
Que o poeta tece a fio
Em doses nunca acabadas
De grandezas sem medida;

E entre sons e acordes
Movem-se as sombras da escrita
Iluminam-se os portais
Reflectindo a luz bendita
Da cor, do som e da vida.

Saturday, November 05, 2005

Desafio ao Outono

Respondi ao desafio...




Costumávamos ficar deitados à beira do Outono
Como se quiséssemos guardar o fermento das palavras
Usávamos a voz na margem das penumbras
Não fossem os deuses acordar zangados
E escrevíamos páginas de silêncios
Sobre folhas engelhadas;
Cruzávamos as mãos sob o declinar do sol
Os corpos fundiam-se com a terra e cheirava a barro fresco
Se chovia molhávamos os lábios depois dos beijos
As folhas inchavam apercebendo-se do calor dos olhos
E no céu, por entre os intervalos da folhagem velha
Os deuses liam-nos as mãos, pausadamente
Determinando as palavras que me dirias
Por entre as linhas descontínuas, quebradas
Éramos presas fáceis depois do fim do verão
Sem tardes de abraço quente à sombra das falésias
Nem passeios de aves
Em silêncio ofereci-te a minha mão
E sobre ela despontaram as sílabas da palavra amor.

Friday, November 04, 2005

E o Torga também passou por aqui...

... ou eu por lá.

Provavelmente porque ando a fazer tempo para os poemas que vou mandar ao Escritor famoso.
Até lá, falam os poetas a sério.



A Verdadeira Morte

O domingo passou, mas nos meus olhos
Não morreu a paisagem da moldura
Mal dos montes, das urzes e das fontes,
Se perecessem pela cercadura!

Outro tempo os preserva e acarinha
Dentro de mim.
Na fortaleza da recordação,
A duração das coisas
Não tem fim.

A desgraça completa
É se morre o poeta...

(Miguel Torga)

E depois a Sophia...

E depois a Sophia... e a difícil escolha, quase um gesto de acaso com o livro aberto às cegas.

E o cheiro do mar sobre a cor dos sonhos e o assobiar dos búzios nos ouvidos e o murmurar das ondas em desenhos nocturnos e os aromas dos jardins perdidos e os dias luminosos entre poentes cor de rosa e frios...



Tudo

"Tudo me é dança em que procuro
A posição ideal,
Seguindo o fio de um sonhar obscuro
Em que do bem, às vezes, nasce o mal

À minha volta sinto naufragar
Tantos gestos perdidos
Mas a alma, dispersa nos sentidos
Sobe os degraus do ar..."

Wednesday, November 02, 2005

Eugénio de Andrade - para começar

Sempre gostei de ver as palavras a saltitar e de lhes ouvir a música; não eram tanto as que dizia mas as que deslizavam para dentro, presas no interior da timidez.

Foi por essa altura que descobri Eugénio de Andrade.

"Somos como árvores
só quando o desejo é morto.
Só então nos lembramos
que dezembro traz em si a primavera.
Só então, belos e despidos
ficamos longamente à sua espera."
(As mãos e os Frutos)

Desafios



Ao passarmos pelo Divas e Contrabaixos somos desafiados.

Vale a pena ir espreitar e aceitar o(s) desafio(s).